Lendas e sonhos de uma Noite de Natal.
Meus lindos netos, e uma noite maravilhosa de natal.
Tudo
que contei aconteceu em uma noite em um dia vinte e quatro de dezembro. O ano
deixa prá lá. Todos os anos a mesma coisa. Família toda reunida. Na sala os
netos faziam a maior algazarra. As mães de cabelo em pé. Celia querendo
terminar a ceia e a “netaiada” não deixava. Chamei-os todos e sentados em
circulo no tapete da sala disse que ia contar uma história. Eles nunca
gostaram. Eu tentei algumas vezes, mas só a netinha de quatro e seis anos se
interessava e isto poucas vezes. Como tusso muito ninguém gosta.
- Olhe,
esta história aconteceu a muitos e muitos anos atrás. Uma época que eu gostava
de acampar sozinho. Pegava minha mochila, meu bornal, meu farnel e minha bolsa
de intendência e lá ia eu para algum lugar – Sozinho Vovó? Sim. Lembro que fui
acampar na Floresta do Ouro Negro. Peguei o trem de ferro na Estação às oito da
noite. Conhecia o caminho com a palma de minha mão. Pulava do trem em movimento
na subida do Gato Preto próximo ao Túnel do Machado Cego. Isto por volta de
meia noite. Mais duas horas de subida e eu chegava à Clareira do Chefe Osvaldo
conforme eu a batizei. Dei uma parada. Olhei nos rostinhos de cada um para ver
se estavam gostando. A netinha de dois meses não. Dormia a sono solto no colo
de sua mãe. Os demais ainda prestavam atenção.
-
Naquela noite não armei a minha lona. Não precisava. O céu estrelado e o
orvalho que caia eram prenuncio de um lindo dia. Fiz um café, ascendi o meu
cachimbo devagar e com calma. Naquela época fazia isto. Eu adorava o som
noturno da floresta. Ainda não eram duas da manhã. Estava começando a cochilar
quando fui acordado pela ave com o canto mais lindo que já tinha ouvido. O
Uirapuru. Poucos têm este privilegio. Ele se esconde na parte mais fechada da
mata. Muitos sonham em encontrá-lo. Diz a lenda, que quando o Uirapuru canta,
até as outras aves se calam. Ele é pequeno, mas quando solta a voz meu Deus! Vi
que ele se calou. Agora ouvia o som de uma viola. O que? Alí na floresta? Duas
da manhã? Só podia ser caçadores. Lá fui eu pé ante pé e o que vi não
acreditei.
- Ao
som da viola o Uirapuru cantava e ao lado um macaco compenetrado. Em cima de um
galho um falcão desconhecido sorria. Pensei que ali na floresta só eu era o
admirador de tão belo espetáculo. A viola era magnificamente tocada pelo Urubu
Rei. Ele não cantava. Só crocitava. Era enorme, na sua mão a viola tomava vida.
Notei que alem de mim outros animais chegavam para aquele “Sarau” maravilhoso
em plena Floresta do Ouro Negro. Vi um casal de quatis que se aninharam perto.
Duas Onças enormes também sentaram na grama. Lobos de todos os tipos. Ciriemas,
Emas, jacarés. Centenas de pássaros chegavam e em poucos instantes os melhores
lugares tinham sido tomados. Dez capivaras, vinte tatus, dezena de cobras de
todos os tipos – Nesta hora um neto me perguntou: Vovó tinha cobra? Tinha mas
elas ali eram mansas.
- O “Sarau”
ia de vento em popa. A Coruja Buraqueira se revezava com o Uirapuru. Até um
Macaco Prego resolveu fazer graça. A floresta em peso compareceu. Nesta hora no
melhor da festa uma Ema gigantesca veio gritando: Caçadores! Caçadores! Fujam
todos! Gritei alto: Não, deixem comigo, eu dou uma lição neles e com a ajuda de
vocês eles nunca mais vão voltar para a Floresta do Ouro Negro. Expliquei meu
plano. Tudo combinado fui ao encontro dos caçadores. Os encontrei na Pedra do
Menino Malvado. Gritei para eles – Saiam da minha floresta! Aqui não vão matar
nenhum bicho! Eles deram risadas. Gargalhavam alto. Eram dois com duas
espingardas velhas. – E quem vai nos impedir? Você? Um velhote que mal fica em
pé? – Nesta hora eles foram cercados.
Centenas de animais. Contei oito onças
pardas. Cinco Lobos cinzentos. Dezenas de Gaviões do Bico Vermelho. Quatis,
cobras cascavéis, urutu, jararaca. Eles levaram o maior susto. Os bichos
começaram a gritar ao seu modo – Hu, hu, hu! Nunca vi gente correr tanto.
Sumiram nadando no Lago do Homem Devorado. Vi dezenas de jacarés nadando atrás
deles. Risos. Voltamos ao ponto de reunião. O sarau continuou. Fiquei ali
acampado por quatro dias. No meu campo sempre tinha meus amigos em minha volta.
A Onça Parda da montanha não me abandonou um só instante. Voltei triste
prometendo voltar um dia. A bicharada veio despedir.
O
Gavião Vermelho me disse que preparasse minha manta. Fizesse dela como se fosse
um paraquedas. Amarrei muito cipó. Mandaram-me sentar. Centenas de pássaros com
seus bicos agarraram nos cipós e me levaram aos céus. Uma visão fantástica. Espetacular.
Só quem viveu sabe como é. Deixaram-me próximo ao Túnel do Machado Cego e ali
esperei o trem. Eles ficaram comigo até quando o trem apareceu em movimento. Despedi-me
deles e com um salto me joguei no vagão de passageiros. Pela janela do trem vi
que eles me acompanhavam. Uma pequena lagrima de saudades rolou pelo
rosto. Gritei alto prometendo que
voltaria. Seu Delgado o condutor já me conhecia. Parei de contar. Vi que só
tinha dois netos. Os demais estavam brincando de esconde, esconde. Risos. Eles
não sei por que não gostam de minhas histórias. - Vovô isto é verdade ou
mentira? Eu sorrindo disse para eles, olhem, é como nas histórias de Sherazade.
As mil e uma noite de um sonho, assim acreditem se quiserem, pois boi não é
vaca e feijão não é arroz! E quem quiser acreditar que conte dois! E ri a
vontade.
E fomos todos para a mesa deglutir aquela ceia de natal maravilhosa que
a Celia preparou. Saudades dos meus tempos de acampamentos. Saudades de quantas
e quantas vezes acampei só. Saudades do Uirapuru e sua voz maravilhosa,
saudades do grande violeiro o Urubu Rei da Floresta do Ouro Negro. Nem sempre as
coisas boas duram para sempre. Ufa! Lembranças e lembranças de um tempo
maravilhoso que não volta mais. Não acreditam em minhas histórias? Risos.
Palavra de Escoteiro! Ora, Ora, sou Chefe, dizem que o Chefe pode tudo não?
Risos.
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