Uma linda historia escoteira

Uma linda historia escoteira
Era uma vez...

sábado, 27 de outubro de 2012

Memórias de um Mestre Cuca Escoteiro



Conversa ao pé do fogo.
Memórias de um Mestre Cuca Escoteiro.

            Eu não sei por onde ele anda agora. Dos sete magníficos da Patrulha Raposa muitos já foram para o grande acampamento. Um deles está vivo, bem velhinho lá pelas bandas do Vale do Rio Doce. Passaram-se anos. Muitos. Lá pelos idos de 1950 quando os conheci. Desculpem só três, pois os demais foram lobinhos comigo. Era uma Patrulha recém-formada. Surgiu uma amizade que marcou a todos nós profundamente. Uma época que o intendente se orgulhava do seu cargo. Do Escriba que não deixava uma ata sem fazer. Do bombeiro e lenhador ali na cozinha não deixando nada faltar. Do socorrista sempre pronto a passar uma pomada “Minâncora”, onde ela anda hoje? Destes todos o mais importante era o cozinheiro. Nenhuma Patrulha neste mundo pode ficar sem ele. Para dizer a verdade é a alma da Patrulha. Faz ela andar, correr, brincar, sorrir e amando como nunca um acampamento mesmo que debaixo de uma tremenda tempestade.

              Fumanchú era seu apelido. Se não me engano seu nome era Sebastião Felisberto da Silva. Era negro. Bem atarracado. Cortava os cabelos rentes e tinha uns enormes olhos negros que podiam observar tudo ao seu redor. Fui a sua casa muitas vezes. Sua mãe trabalhava como cozinheira do Hotel Condor. Acho que foi aí que ele aprendeu. Desde pequeno ficava muito sozinho em sua casa. Eu não sei hoje, mas naquela época a gente ficava pedindo a mãe para nos ensinar a arte da cozinha. – Mãe me ensine a fazer arroz, uma sopa, um feijão, assar uma carne, fritar peixes e assim íamos aprendendo, pois nem sempre poderíamos contar como Fumanchú. Cada um de nós “quebrava o galho”, mas o dono da cozinha mesmo era ele.

             Andam dizendo por aí que nos acampamentos os escoteiros comem matinho, arroz com fumaça, feijão queimado, carne torrada e assim por diante. Brincam e dizem que era e é assim e eles gostam. Lembram-se sempre dos seus célebres almoços e jantas e sorriem quando pensam como era gostoso acampar. Sem sal e sem gordura. Acho que os meus não foram assim. Fumanchú sempre se esmerou. Seu arroz era soltinho, seu feijão inteiro com farinha de milho ou de mandioca não tinha igual. As sopas que fazia então? Era só dar para ele alguns maxixes, uns lambaris gordinhos e pronto. A sopa de maxixe dele era de arromba. Como sabia improvisar. E um guisado de rolinhas? Ou de um tatú? Na brasa Fumanchú era invencível. Fazia um frango no barro como ninguém. Piriá, ariranha tudo ele dominava e nos fazia feliz. Uma vez matamos um Caititu, espécie de porco do mato e Fumanchú nos esperava de uma jornada para buscar frutas na fazenda do Seu Totinho, com o mais gostoso churrasco que já comi. (lembro aos meus leitores que era outra época).

           Cozinheiro não é só cozinhar. Tem de saber improvisar. Fumanchú era assim. Sabia como ninguém fazer um fogão suspenso. Dos bons. Da sua altura nem mais nem menos. Fogão Tripé, estrela, tropeiro e outros eram feitos assim em segundos. Cozinhava em qualquer hora. Em trilhas quando parávamos nas nossas jornadas. Em ribanceiras perigosas, com chuva fina ou não. Acender fogo? Era bamba! Podia contar no dedo até trinta e o fogo logo estava crepitando. Que chovesse canivete, mas o fogão do Fumanchú sempre soltava sua fumaça e fumaça em fogão no acampamento é motivo de alegria e felicidade. Seus bolinhos de chuva, de polvilho, bolinhos de milho, doce de manga, de laranja de goiaba e seu doce de mamão nunca esqueci!

            Poderia ficar horas aqui falando do Fumanchú. Das poucas e boas que nos aprontou. Dos causos que contava após o almoço ou jantar e muitas vezes nossos estômagos não aguentavam. No frio ele nem esperava chamar. Seu fogo espelho era nota dez. Podíamos dormir na barracas sem manta ou cobertor. Saudades do Fumanchú. Do seu sorriso enorme, dos seus dentes grandes, do seu pescoço enorme e do seu coração... Grande demais para a gente esquecer. Saudades mesmo. Bela época. Época que já se foi. Agora só a memória para lembrar.  Se você que me lê tem Patrulha, não esqueça, abrace seu cozinheiro. Ele é a razão de um bom acampamento. E depois quando ficar na minha idade, irá lembrar com muita saudade dos tempos que viveu. E para terminar, você meu amigo escute bem, faça assim como eu também. Vá divertir-se o ano inteiro, entrando em um grupo de escoteiros e irás viver o que eu já vivi!            

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Cerimonias escoteiras. A bandeira, em saudação!



Cerimonias escoteiras.
A bandeira, em saudação!

            O Chefe responsável pela cerimonia de abertura estava impecável em seu uniforme social. Ali, todos tinham seus dois uniformes (a chefia) e o usavam conforme a ocasião. - Tinha em suas mãos a trombeta (tipo berrante) cuja tradição era imutável. A formatura era de responsabilidade da Sessão de Serviço. Esta constava na escala feita no inicio do ano, em forma de revezamento. Na reunião anterior, já haviam treinados para evitar qualquer gafe, pois a cerimonia em sua apoteose não cabia erros. O hasteamento, a oração, sempre marcava profundamente. Era uma tradição e todo o Grupo mantinha respeito, garbo e boa ordem. Também nesta oportunidade, todos aqueles que tivessem “tirado“ suas provas de eficiência ou classes, assim como suas “estrelas” de atividade iriam receber na Grande Ferradura, um marco na vida escoteira de cada um.

            - A família Escoteira tem o direito e deve assistir o crescimento dos seus membros. Assim dizia o Diretor Técnico, um antigo Escoteiro que começou no grupo como lobinho. Tenho pena de certos grupos, onde os jovens de cada sessão são eternos desconhecidos entre si. Muitos deles, principalmente os adultos, se prendem como correntes nas atividades de fim de semana e esquecem-se de si próprios! - Da maneira como fazemos não. Obedecendo criteriosamente aos horários estabelecidos não é sacrifício para ninguém. Muito pelo contrário, uma alegria contagiante acontece em todos os sábados.

            Realmente, naquele dia todos sentiam a pujança do Grupo Escoteiro. Eram os pais, o vigário, antigos escoteiros que ali se lembravam do seu passado e viam com seus próprios olhos o crescimento de mais alguns que seriam como eles no futuro. Este era o Escotismo, uma verdadeira escola de formação do caráter. E como dizia o nosso querido BP, o que é mais importante! - O resultado, claro.

            O Grupo sempre insistia na entrega de Insígnias para Escotistas e até algumas condecorações dentro da reunião do Grupo. Claro, ressalvando aquelas especiais como medalhas de alto valor. - Quem sente mais orgulho em saber que um dos seus membros foi outorgado com concessões e recompensas, ou mesmo condecorações do que aqueles que estão vivendo o dia a dia junto a eles? O Dirigente da atividade já posicionado aguardava a chamada de cada sessão, pôr um assistente designado. Logo em seguida viria à apresentação de cada uma e pôr fim o inicio da Cerimonia. O mastro em forma de T, com três bandeiras já estava pronto. As bandeiras posicionadas conforme manda o manual. Neste sábado, a Tropa Sénior estava de serviço. Pronta à chamada, e apresentada à sessão, os seniores responsáveis pelas bandeiras são chamados. Cada um se orgulha em estar ali naquele momento. Cada um sente a responsabilidade daquele ato. Há uma faísca elétrica no ar. Ninguém treme. São Escoteiros. Estão sempre Alerta. Não há duvidas. Não vai haver falhas na cerimonia.

            Eu e mais um Escotista do Grupo fomos buscar um antigo Escoteiro, um dos fundadores que ia ser homenageado. Mais de 90 anos e sempre presente. Ele nos esperava já uniformizado. Podíamos apreciar o garbo presente - Sapatos pretos bem engraxados, meiões cinzas dentro dos padrões com dobra de quatro dedos e listas retas. Calça curta bem passada com vincos. O Metal do cinto polido e correia engraxada. Camisa bem posta e todos os botões abotoados. Anel e contas (Colar da insígnia) impecáveis. O Chapéu, Ah! O chapéu. Era de fazer inveja. O antigo escoteiro não dava motivos de críticas e só exemplos. - Você conhece um escoteiro pelo uniforme - Dizia ele. Quem não tem garbo, não tem nada. Ou você é ou não é. Simples. Muito simples. Faz parte do caráter! E depois reclamam que ninguém nos conhece. Como? Mal uniformizado? Carrancudo, fisionomia carregada, tez um pouco amarelada, deixou que o ajudassem a andar até o automóvel. Durante a viagem, nem um pio. No Grupo todos sabiam que ele estaria lá naquele dia. Uma cadeira de braços já havia sido colocada próximo a Grande Ferradura. Quando chegamos, foi aquela festa.

            Ele se sentou rodeado de amigos. Jovens, Escotistas, pais. Todos o queriam muito. Fora ele o responsável pôr tudo aquilo e nada mais justo do que a recompensa da amizade e consideração. Brincadeiras, abraços, conversas ao pé do ouvido. Aos poucos sua “Carranca“ foi desaparecendo. Era o remédio que ele “receitava“ para todos e o efeito era imediato. O Diretor Técnico passou o comando para o Chefe Sênior. A Patrulha de Serviço era de sua tropa. O Antigo Escoteiro não conseguiu ficar sentado. Claudicando e tropeçando em seus calcanhares, cambaleante se levantou e se dirigiu a ferradura. Alguém tentou ajudá-lo. Ele agradeceu. - O Escoteiro caminha com suas próprias pernas! - falou. O silencio foi substituído pôr uma exclamação. Todos olhavam para o antigo Escoteiro. Lá estava ele, ao lado do Presidente do Grupo e próximo aos pioneiros.

            O Chefe Sênior garboso deu a ordem: A Bandeira, em saudação!

            Os jovens estavam orgulhosos. Os Escotistas, pais e outros Antigos Escoteiros vibravam com a cerimonia e a “garra“ do fundador que estava ali com eles. Mesmo com aquela idade, era um exemplo para todos. Alguns como eu em posição de sentido ficamos com os olhos marejados de lagrimas, lagrimas de alegria.           Sentimos como era importante a máxima de BP - “A verdadeira felicidade, é fazer a felicidade dos outros”! E ela estava sendo feita. Com uma simples cerimonia de bandeira!

Grupo Escoteiro, “A BANDEIRA, EM SAUDAÇÃO!”.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Histórias que o mundo esqueceu. “A justiça a Deus pertence!”



Histórias que o mundo esqueceu.
“A justiça a Deus pertence!”

               Chefe Billy era assistente de tropa Escoteira. Novo ainda, vinte e três anos. Procurou o grupo há dois anos atrás dizendo estar interessado em participar, mas nunca fora Escoteiro. Passou por uma bateria de perguntas e preencheu todos os formulários que lhe deram. Quase desistiu. Sentiu que ali era ele quem precisava participar e não o contrário. Chefe Billy era caladão. Andava de cabeça baixa. Nunca fixava ninguém com os olhos. Sua família não era da cidade. Conseguiu um emprego na Usina Siderúrgica e trabalhava como Operador de Forno. Uma função não muito gratificante. Alugou um quartinho nos fundos da casa de um casal de velhos e assim era sua vida fora do grupo. Era bem quisto pelos jovens. Os chefes tinham um certo receio. Não o conheciam. Ele não se enturmava. Apesar do seu jeitão esquisito alguns tinham nele uma grande admiração e respeito. Pouco falava de si e nem todos os convites extra grupo ele aceitava. Fez dois cursos de formação. Estava dando duro para conseguir sua Insígnia de Madeira.

                  Naquele sábado lá estavam todas as sessões. Uma algazarra gostosa, alegria juvenil e infantil própria dos escoteiros antes do inicio das atividades. Foi dado o toque de chamada e todos acorreram para a grande ferradura. Iria ser dado o inicio do Cerimonial de Bandeira. Todos formados. Um carro da policia parou na porta da sede. Desceram dois policiais e um investigador. – Quem é o Billy? – Sou eu ele disse. – Você está preso. – Por quê? O Delegado vai dizer. E cale a boca. Aqui não é filme americano onde falamos de seus direitos. Puseram a algema nele e o arrastaram até o camburão. Estava de uniforme. Seu chapéu tão querido caiu ao chão. Foi Lany uma lobinha quem o pegou. O grupo todo estarrecido. Fazer o que? Continuar com a reunião era melhor. Foi um sábado dos piores dias de reunião naquele grupo escoteiro. Nenhum Chefe foi à delegacia saber ou se informar. Ninguém o procurou para saber o que lhe imputavam.

                  Os jornais do dia seguinte e as emissoras de programas sensacionalistas comentaram o que tinha acontecido. Billy tinha estuprado e esganado um menino de oito anos. O jovem foi encontrado morto em um terreno baldio. Duas testemunhas juraram tê-lo visto passando perto no dia. Nada mais que isto. O bairro inteiro ficou a porta da delegacia. Os pais do menino chorosos pediam vingança. Tentaram invadir, mas foram impedidos. Billy não recebeu visitas de nenhum membro do escotismo. Soube que abriram um processo e ele foi exonerado e expulso. “Culpado por suspeita”. Lany, Alfredinho e Tomé não acreditavam em nada daquilo. Lany era lobinha, Alfredinho e Tomé eram escoteiros que passaram para a tropa aquele ano. Tentaram visitá-lo, mas não conseguiram. Impossível menor entrar no presídio. Combinaram de enviar toda semana uma carta dizendo das saudades e que o amavam muito.

                 Billy teve um julgamento rápido. Condenado a vinte e oito anos de prisão sem direito a Sursis. Foi enviado para a Penitenciaria Estadual na própria cidade. Alguns prisioneiros sabendo do acontecido o seviciaram e quase morreu. A vingança não parou por aí. Pegaram de um prisioneiro que tinha o HIV um pouco de sangue em uma seringa velha e enferrujada e aplicaram em Billy. Ele nunca gritou e nem reclamou. Sabia que nada iria reverter às decisões que tomaram contra ele. Acreditava em Deus. Era espiritualista. Tinha um motivo para tudo aquilo. Ele sabia que foi ele mesmo quem escolheu aquele caminho. Só duas coisas o alegravam na prisão. Sua fé em Deus e as cartas de Lany, Alfredinho e Tomé. Quando as recebia chorava. Uma angustia o invadia. Tremia e rezava pedindo a Deus que lhe desse força. Neste interim ninguém do grupo falava mais nele. Era carta fora do baralho. Perderam muitas crianças por causa dele. Os pais tinham medo. Melhor colocar uma pedra no acontecido.

               Dois anos depois, prenderam um vaqueiro de nome Leôncio. Alguém o viu arrastando uma criança para um terreno baldio. Foi preso. Confessou ter feito isto com nove meninos inclusive riu quando disse que foi ele que matou o menino que disseram ser o Billy o culpado. Somente cinco meses depois Billy recebeu o alvará de soltura. Um advogado ofereceu em troca de trinta por cento entrar com um processo na justiça. Ele agradeceu. O dinheiro seria maldito. Não iria pagar sua passagem para ao céu. Já estava debilitado pelo HIV. Recebia os remédios do governo, mas não estavam ajudando muito. Ao sair foi abraçado por muitos amigos que fez ali na prisão. Alguns choravam. Recebeu seu uniforme Escoteiro que ele abraçou com carinho. Não havia mais motivo para ficar na cidade. Foi até a estação ferroviária. – Perguntou ao bilheteiro - Até aonde iria com uma passagem de cinquenta reais? O único dinheiro que devolveram para ele.

               O trem chegou à estação. Quando ia subir três jovens correram para abraçá-lo. Estavam de uniforme. Eram Lany, Alfredinho e Tomé, todos crescidos. Billy chorou. Pensou em não abraçá-los. Estava magro, debilitado, sua pele manchada em vários lugares do corpo. Eles não lhe deram chance. Abraços apertados. Lany o beijou no rosto varias vezes. Entregou para ele o seu chapéu Escoteiro que ela guardou todos estes anos com carinho. O apito do condutor avisando da partida. Os que chegavam e saiam estavam assustados com aquela cena. Um homem feio, doente, sendo abraçado e beijado por uma Escoteira e dois escoteiros e todos chorando. Nunca viram nada igual. Billy pegou o trem e na janela despediu deles. Disse que escreveria. Billy não escreveu. Morreu seis meses depois como indigente em um canto cheio de lixo debaixo de um viaduto em Vitória e interessante. Estava com seu uniforme Escoteiro e no colo o seu chapéu de três bicos. Isto foi o que me contaram.

               Justiça? Só Deus sabe como fazer justiça. Para cada ato, para cada ação a uma reação. O passado não é perdoado facilmente. O perdão existe, mas cada um tem de fazer para merecer. “A justiça a Deus pertence!”.
                E lembrem-se, histórias são histórias, nada mais que histórias! 

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Lendas Escoteiras. O Papagaio verde esmeralda do Capitão Lockhart.



Lendas Escoteiras.
O Papagaio verde esmeralda do Capitão Lockhart.

                 Calma. Nada a ver com o filme de Anthony Mann, Um Certo Capitão Lockhart. Mas Dona Etelvina assistiu ao filme e batizou seu filho como Capitão Lockhart. A princípio o tabelião se recusou, mas Dona Etelvina foi dura e enfática. Tem de ser este ou não será nenhum. Capitão Lockhart ficou conhecido na cidade de Pedra Roxa. A principio só curiosidade depois ninguém ligava mais. Na escola era bom aluno e todos os colegas gostavam dele por ser prestativo e educado. Capitão Lockhart tinha duas paixões. Papagaios (pipas) e escotismo. Quando fez sete anos lá estava ele se matriculando como lobinho. Não sabia que precisa de sua mãe para isto. Ela foi. Seu pai foi pracinha e morreu na Batalha de Monte Castelo quando ele ainda estava hibernando na barriga de sua mãe.

               Capitão Lockhart fazia papagaios como ninguém. Nos campeonatos anuais na cidade de Pedra Roxa quando não ganhava ficava em segundo. Cada ano mais ele se aprimorava. Sabia escolher o melhor bambu para as varetas, ele mesmo fazia a cola em sua casa usando limão galego, comprou uma tesoura sem ponta e usava sua régua e caneta da escola. Na Casa Ultimato, onde vendiam papeis de seda ela ficava horas escolhendo. Sempre tinha cinco ou seis carreteis de linha dez de reserva. Capitão Lockhart chegava da escola, fazia suas tarefas e a tarde ia até a colina do Morto Enterrado. Lá soltava seus papagaios analisando o peso, a força do vento, as linhadas, tudo para que não perdesse nada na hora de um bom campeonato.

             Capitão Lockhart era da Patrulha Corvo. Seu Monitor Nininho era meio mandão, mas todos gostavam dele. As quintas feiras a Patrulha se reunia na sede, onde eram passadas as provas para cada um. A Patrulha tinha dois primeiras classes, três segundas (inclusive Capitão Lockhart) e dois noviços. Ziri era um deles. Quiseram apelida-lo de Polegar, mas alguém achou melhor Ziri. Esqueceram que seria Siri e não Ziri. Mas apelido posto só sai morto. Aos sábados o Chefe Martinho não dava folga. Cobrava dos Monitores, cobrava dos subs, cobrava de todo mundo. Capitão Lockhart amava tudo aquilo. A tropa vivia acampando, fazendo excursões, e varias vezes ao ano ele o Chefe deixava as Patrulhas acamparem sozinhas, principalmente em acampamentos volantes bem planejados.

              Em novembro a prefeitura estava programado a primeira Olimpíada do Papagaio de Pedra Roxa. Capitão Lockhart soube que o premio seria de dois mil reais. Precisava ganhar este prêmio. Prometera dar o uniforme e o equipamento de campo ao Ziri, pois ele estava com cinco meses e ainda não conseguiu ter o suficiente para fazer e comprar. Promessa é promessa e o Capitão Lockhart não podia fraquejar. O dia chegou. Capitão Lockhart sabia das regras das Olimpíadas. Usar dois carreteis de linha dez com cento e cinquenta metros cada um, o papagaio tinha de puxar toda a linha, (os fiscais iriam olhar na manivela), ficar duas horas no ar e ganhava em primeiro lugar aquela com mais pingos de chuva no papel de seda. Tudo bem. Não era segredo para o Capitão Lockhart.

               O dia chegou. A cidade em peso lá. Mais de duzentos competidores. Capitão Lockhart fizera uma pipa de bom tamanho, mais ou menos oitenta por quarenta, passara quinze dias preparando as varetas, cortou o papel de seda harmoniosamente sem pontas e para montar seu papagaio ficou dois dias ali debruçado na sua mesinha que sua mãe lhe dera de presente. Às nove da manhã se encontrou com a Patrulha. Estavam todos uniformizados. Varias outras patrulhas, lobinhos, seniores e os pioneiros também lá estavam. O Chefe Martinho tinha orgulho do Capitão Lockhart. Adorava o menino. Ele era viúvo e namorava dona Etelvina a mãe do Capitão Lockhart. Nada contra. Eram um belo casal e juntos também foram assistir a vitória ou derrota do Capitão Lockhart.
   
              Não vou entrar em detalhes, mas foi uma disputa renhida. No final ficaram oito competidores. Passado às duas horas foi dado à ordem de descer os papagaios. Um por um foram chegado. O povo todo se amontoando para ver qual estava marcado com pingos de chuva. A do Capitão Lockhart tinha oito pingos. A do Murilo da Birosca do Pedro Mocho (bar) tinha oito também. E agora? Mais trinta minutos no ar. Então após veriam o provável vencedor. Não podia haver empates. Foi emocionante! Muito mesmo. Um frenesi no ar e em terra. Uma torcida vibrante. Os escoteiros pulando e gritando. Terminou o tempo. As pipas desceram. Capitão Lockhart ganhou com mais dois pingos. A do Murilo só um. Foi carregado entre a multidão.

                      No sábado no cerimonial de bandeira, o Chefe Martinho fez uma entrega de um certificado de mérito ao Capitão Lockhart não só por ter representado o grupo nas olimpíadas, como também pelo seu belo gesto em dar ao Escoteiro Ziri um uniforme completo, um cantil, uma faca Escoteira, uma bússola e um cabo trançado de dez metros. A tropa saiu de forma. Os sêniores também. Os lobinhos se juntaram a algazarra. Abraçavam e beijavam o Capitão Lockhart. Uma apoteose que nunca tinham visto nada igual. Soube que meses depois o Chefe Martinho casou com dona Etelvina. Dizem que viveram felizes para sempre e isto não sei, mas soube por fontes fidedignas que o Capitão Lockhart foi reconhecido como o maior soltador de papagaios do Brasil e esteve em diversos campeonatos no “estrangeiro”. Que ele seja feliz com sua gostosa habilidade. E quem quiser que conte dois! Risos.   

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Lendas Escoteiras. Lepitop, o Gato Escoteiro.



Lendas Escoteiras.
Lepitop, o Gato Escoteiro.
        
                Ninguém sabia sua origem e de onde ele tinha vindo. Nem tampouco onde morava. Há anos todas as reuniões lá estava o Lepitop. Quem lhe deu este nome também não tinham a menor ideia. A única certeza era que impreterivelmente quando o primeiro Escoteiro ou o primeiro lobinho chegasse à sede lá estava Lepitop. Interessante era que se algum Chefe fosse fazer algum serviço na sede e não houvesse Escoteiro presente, Lepitop não aparecia. Porque não gostava de adultos não sei explicar. Lepitop tinha um amor todo especial por Narinha da Matilha Rosa e Jarilson da Patrulha Raposa. Talvez porque eles descobriram que ele adorava arroz misturado com carne moída. Mas foi Narinha quem primeiro observou que ele só comia em prato de louça. Luxo?

              O Gato Lepitop tinha pelos longos com manchas brancas e incríveis olhos azuis. Um só. O outro era coberto por uma mancha branca. Muitos visitantes que iam ao grupo eram surpreendidos pelo Gato Lepitop. Sua fama percorreu toda cidade de Luar Azul. Quando a reunião começava com a chamada geral para o cerimonial de bandeira Lepitot também se formava sempre ao lado do responsável pela cerimonia. Agora ninguém ria, mas quando a bandeira subia farfalhando com o vento, ele ficava olhando e não tirava os olhos enquanto ela não alcançasse o topo. Depois corria para junto da Patrulha Raposa e durante o grito ele ficava no meio de todos, e claro, sempre no final ouviam seu “miau”. Por favor, não riam. É pura verdade. Eu vi com meus olhos que a terra a de comer.

             Lepitop não perdia nada. Da Patrulha corria para a Alcatéia para ver se conseguia alcançar o grande uivo. Quando a Akelá abaixava os braços ele ao seu lado abaixava também. Quando os lobinhos pulando e gritando o melhor, lá ia Lepitop pulando também. Sempre com seu “miau” no final. Em toda a reunião Lepitop corria de sessão em sessão. Quando a reunião terminava, Narinha e Jarilson corriam até a sede e lá colocavam sua comida. O arroz com carne moída. Lepitop ronronava, passava de leve o rabinho na perna de ambos e comia com gosto. Uma vez resolveram descobrir onde ele morava. Claro que perguntaram por toda a vizinha, mas ninguém soube informar. Narinha e Jarilson sempre se preocuparam com suas refeições aos sábados e durante a semana? Não acreditavam que ele aguentasse tanto tempo sem comer.

           O Gato Lepitop começou a ficar famoso. O Comissário do Distrito soube e foi lá visitar. O Diretor Regional também. Da UEB não veio ninguém. Quem sabe muito longe para viajar até Luar Azul.  Até o Redator Chefe do Jornal Capacete de Ouro foi lá no grupo entrevistar Lepitop. Disseram a ele que o gato falava. Risos. Um dia o pior aconteceu. O Gato Lepitop não apareceu na reunião. Os lobinhos e escoteiros sempre de olho no portão. As reuniões foram péssimas. Sem o Gato Lepitop tudo parecia ir por água abaixo. Esperaram a semana seguinte e nada. Só viam-se olhos marejados de lágrimas. Desde os lobinhos até os escoteiros e seniores. Claros os chefes e os pioneiros ao seu modo sentiam-se angustiados.

           Todo o Grupo Escoteiro fez um mutirão de buscas. As famílias dos escoteiros ajudavam. Toda a cidade foi vasculhada e a todos foi perguntado se conheciam o Gato Lepitop. Três semanas e nada. Impossível dar reunião. Ninguém queria fazer nada. Só choro e choro. Narinha coitada não parava de chorar. Nem na escola estava indo mais. Jarilson sempre com os olhos marejados de lágrimas. O Conselho de Chefes e a Diretoria do Grupo Escoteiro se reunirão muitas vezes em busca de uma solução. – A melhor seria dar férias a todos. Pelo menos um mês. Quem sabe poderiam voltar com novo ânimo? Foi um dia triste. A boca pequena todos sabiam o que ia acontecer.

          O Diretor Técnico tocou sua trombeta com o sinal de reunir. Antigamente era uma algazarra. Todos vinham correndo, sorrindo e era uma beleza ver os gritos de Patrulha e as apresentações. Fazia dó agora. Um silêncio mortal. Só olhos encharcados de lágrimas. Soluços em profusão. Um gato, apenas um gato para fazer tudo aquilo? Mas não era só um gato, era o Gato Lepitop. Aquele que era amado por todos. Meu Deus! Impossível! O Chefe começou a falar das férias e eis que aparece na porta do pátio nada mais nada menos que o Gato Lepitop. Ele na frente todo garboso, atrás dele uma linda gata amarela de pelos longos e mais atrás três gatinhos cinza e outros amarelos. Em fila indiana. Como se estivessem marchando! Um espetáculo que quem viu jamais iria esquecer.

         Lepitop tinha casado. Estava em lua de mel. Sua esposa Natibook tinha dado a luz três lindos gatinhos. Asustek, Epad e Android todos foram muito bem cuidados por Lepitop. Gritos de urras, milhões de sorrisos, canções, pulos saltitantes eram como se a luz tivesse voltado ao Grupo Escoteiro de Luar Azul. A notícia correu e toda a cidade foi até lá para ver. Foguetes foram lançados no ar. Abraços se deram aos montes. E assim, a paz voltou a reinar no Grupo Escoteiro de Luar Azul. Tudo por causa de um gatinho, um não agora eram quatro! E assim termina a história. Dizem que boi não é vaca e feijão não é arroz e então meus amigos, quem quiser que conte dois!

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Namoro no escotismo.



Conversa ao pé do fogo.
Namoro no escotismo.

                        Um tema polemico. Para mim é claro. Não sou psicólogo e nem um professor no assunto. Criei quatro filhos com liberdade, mas com respeito. Hoje não é ontem e o amanhã desconheço. Algum tempo atrás entrei nesta seara, mas apareceram tantos sábios a me contradizer que coloquei um pé atrás e desisti do tema. O modernismo hoje é defendido com unhas e dentes. Sempre pensei que o escotismo era para formar, ensinar, adestrar e preparar o jovem e a jovem dentro dos princípios que nos legou Baden Powell. Não vejo com bons olhos o que anda acontecendo por aí. Para dizer a verdade tem muitos que nos sites de relacionamentos postam mensagens que não me agradam. Não posso concordar que isto leva a ser o tão falado Espírito Escoteiro. E o palavreado então? Outro dia um se dirigiu a mim (não foi o primeiro) como se eu fosse da idade dele. Lembrei educadamente que seria bom ele chamar os mais velhos de Chefe ou de Senhor, isto é próprio dos escoteiros disse. Sabe o que ele disse? Que não sou melhor que ninguém, que eu podia ir a m.! Claro que ele tinha o uniforme e à promessa, mas não tinha nada de Escoteiro. Isto é culpa de quem? Do seu Chefe? Dos seus pais? Ou será que ele está certo e o errado sou eu? Quando vejo grupos (nem todos) comentando atividades nacionais, lá estão jovens seniores, guias, pioneiros, pioneiras e escotistas falando de uma maneira que para mim é grego fico pasmado. Não precisam repetir que eu estou fazendo horas extras e deveria bater o cartão e ir embora.

                     Não entraria de novo no tema se não fosse quatro jovens que me mandaram mensagens nas últimas semanas. Pouco? Claro que sim. Não representam de nenhuma maneira o universo dos mais de vinte mil membros registrados (acima de quinze anos). E também não serve como amostragem para dizer que é geral. Nada disto, mas um dia isto vai prejudicar em muito o nome do escotismo em nosso pais. Centenas de tropas mistas, sem ter uma Chefe feminina ou então sem ter um Chefe masculino. Deram-me exemplo da escola. Lá tem professores masculinos e femininos. Bah! Não me convenceram. Contaram-me as jovens coisas incríveis que andam acontecendo no grupo deles. Isto é escotismo? Discordei e discordo de uma Patrulha mista. Não tem como dar certo. Patrulhas ter de ser do mesmo sexo. Concordo plenamente com atividades conjuntas. Nada mais que isto. Mas deixo claro que tem outros com mais qualidades que eu. Podem fazer o que eu não faria. Podem dar o exemplo que quiserem, mas o método nunca será alcançado desta maneira. E quando falam em chefes? Expulsam a torto e direito. Suspendem, e eu pergunto, culpa do jovem? Não servia para ser Escoteiro? Ou será que o Chefe não está devidamente preparado para atuar junto a uma sessão que não é fácil de conduzir? Onde foi parar a Corte de Honra? O Conselho de Chefes? E os pais? Foram informados? Na entrada pedem tudo e depois esquecem que eles existem?

               Muitos jovens são enfáticos em perguntar sobre o namoro no escotismo. Namoro? Pensei que o escotismo tinha outras finalidades. Uns dizem que os chefes implicam, outros acham que nas reuniões e atividades extra-sede é para fazer escotismo e não namorar. Mas é claro, por acaso perguntaram aos pais se estão de acordo com o namoro dos seus filhos na tropa? Discutiram com eles os prós e os contras? Ou será que o Chefe Escoteiro tem todas as qualidades para assumir esta responsabilidade que deveria caber aos pais? Quando começamos com o movimento feminino havia tropas separadas lideradas por chefes femininas. Tive a honra de dirigir o primeiro CAB Escoteiro com as chefes femininas. Mas me garantem que os tempos são outros. Falar o que? São tantos a me desfazerem que fico pensando se eles tem experiência suficiente e se os resultados foram bons.

               Poderia afirmar que mesmo aceitando uma tropa mista ela não poderia existir com um Chefe só. Como sou um pai a antiga não aceitaria minha filha ou meu filho em uma tropa assim. Mas cada um é cada um e sabe onde o calo aperta. Para mim seria obrigatório ter representantes de ambos os sexos. Explicar o porquê seria me alongar. Escotismo tem métodos próprios e mesmo tentando adaptar-se aos novos tempos, acredito que a honra, a ética, o respeito e a responsabilidade não podem desaparecer. Liberdade sim, mas abuso não. Chega de ver meninos e meninas, jovens de todas as idades mal uniformizados, camisas soltas, lenços pendurados, sem meia, de chinelos, e indo para estas atividades nacionais ou regionais sempre pensando em rever os amores que lá fizeram.

              Se aceitar o que está acontecendo em muitos grupos nosso destino pode trazer consequências que um dia poderemos nos arrepender. (Aqui abro uns parênteses para dizer que a grande maioria não procede assim). Ainda bem. Costumo dizer que para um bom entendedor meia palavra basta. Se acharem que estou errado paciência. Mas disciplina sem amizade, sem fraternidade e respeito não é disciplina e, por favor, não confundir nunca com libertinagem. Parabéns aos que estão dentro da linha do bom escotismo e pensando no crescimento dos jovens com o respeito que ele merece, mas visando única e exclusivamente sua formação moral. É isto que precisamos para um país sério que todos sonhamos. E por favor, conversem com os pais. Esta é uma educação que parte deles resolverem e autorizar. Amém! 

domingo, 21 de outubro de 2012

O sequestro da Lobinha Aninha Pata Tenra.



Lendas escoteiras.
O sequestro da Lobinha Aninha Pata Tenra.

                  Falar de Aninha era sempre motivo de diversão. Oito anos, um ano e meio na Alcatéia, com seu apelido de Pata Tenra era uma menina alegre espevitada, brincalhona e sempre animada. Em qualquer roda de lobinhos escoteiros ou chefes ela adorava conversar com todos, sempre com um sorriso nos lábios e como gostava de contar piadas. Seu repertório era formidável. Quase nunca repetia uma piada. Onde ela conseguia decorar tantas ninguém sabia. Diziam e sua mãe confirmava que ela mesma escrevia. Ficava em seu quarto até altas horas da noite escrevendo uma para o dia seguinte. Na escola uma rodinha formava em volta dela no recreio. Só para ouvir suas piadas e dar gargalhadas. No Grupo Escoteiro todos faziam o mesmo. Quando ela faltava às reuniões e todos sabiam que era por motivo de força maior o comentário era o mesmo – Aninha não veio? Uma falta grande ela fazia.

                  Sua matilha tinha verdadeira veneração por ela. Os amarelos sabiam que ela animava todas as atividades. Disse para todos que já tinha lido de cabo a rabo o Livro da Jângal. Contava histórias da Alcatéia de Sheone e sempre com uma pitada divertida. Sua mãe e seu pai sempre a alertaram para ser mais comedida principalmente com estranhos. E um dia o pior aconteceu. Aninha Pata Tenra saiu cedo de casa naquele domingo dizendo aos pais que ia ao catecismo. A igreja era perto. Sempre deixaram. Saiu as nove e as doze não tinha voltado. Sua mãe ficou preocupada. Quando deu uma hora foi atrás de Aninha. Na igreja disseram que ela tinha saído às dez e meia. Onde ela teria ido? Da igreja foi à casa de uma das melhores amiga dela. Nada. Nanda disse que não tinha visto ela no domingo. De casa em casa e ninguém sabia noticias de Aninha Pata Tenra. A cidade era pequena. Todos conheciam Aninha.

                  O delegado colocou todos os soldados a vasculharem a cidade atrás dela. Centenas de habitantes percorriam aqui e ali e até fora da cidade a sua procura. À tarde chegando e o desespero tomava conta da mãe e de muitas amigas dela na Alcatéia. A noite chegou. Um choro geral. Onde foi parar Aninha? Nunca souberam de algum “tarado” na cidade e Aninha magrinha, sem nenhuma beleza que pudesse chamar atenção poderia ter sido sequestrada? Dinheiro? Sua família não tinha. Eram humildes e lutavam pela comida do dia a dia. Alguém disse que um automóvel azul cruzou a cidade naquela manhã. – Para onde foi? Perguntou o delegado. Para a fazenda do Chico Espinhaço. Lá foi o delegado com mais de trinta automóveis atrás o seguindo.

                   Na fazenda viram o carro azul. O delegado entrou na sede e chamou o Chico. Ele saiu à porta com um estranho. O delegado o inquiriu sobre Aninha. – Nunca ouvi falar ele disse. A turba que estava próxima correu e o pegou de jeito. Se o delegado não desse uns tiros para cima eles o teriam linchado. Dois soldados o levaram para Passo Alto uma cidade próxima. Ele não poderia ficar em Rio da Prata. A cadeia não oferecia condições. Reviraram a fazenda do Chico Espinhaço. Ele ficou revoltado. Mais ainda porque gostava muito de Aninha. Afinal era diretor no Grupo Escoteiro e nunca tentaria fazer mal a ela.

                 Pela manhã ninguém tinha dormido. A procura não terminou e nem parou. A cidade em peso nas ruas. Uma revolta grande. Mandinho era Monitor dos Gaviões. Chamou a Patrulha para procurar. Um cachorro latia sem parar próximo ao Riacho do Lambari. Correram até lá e viram Aninha em cima de uma mangueira enorme. Ela chorava. Tiritava de frio. Ajudaram-na a descer. – O que ouve? Perguntou Mandinho. Ela chorando disse que foi pegar umas flores silvestres fora da cidade e deu de cara com uma onça pintada. Correu e subiu na árvore. A onça ficou quase a noite toda olhando para ela e deitada no tronco da árvore. Não dormiu. Quando o dia amanheceu viu que a onça tinha partido. Não sabia descer. Ficou com medo de cair e quando resolveu pular mesmo se machucando viu o cão latindo e voces apareceram.

                 A cidade inteira vibrou quando viu Aninha viva. O padre rezava missa por ela e quando soube agradeceu a Deus. Seus pais choravam de alegria. No sábado na reunião do Grupo Escoteiro todos queriam ouvir a sua história. Aninha como sempre animada e esperta contava aumentando tudo. Já não era uma onça, mas duas com seis filhotinhos! Dizem que “quem conta um conto aumento um ponto”. Serviu de lição para Aninha e para todos os lobinhos e escoteiros. Nunca sair sozinho. Sempre em duplas ou mais gente, e dizer sempre aonde vão. Aninha aprendeu. Nunca mais andava sozinha. O sequestro ficou na memória da cidade. Seus habitantes contavam tanto que os viajantes acreditavam. E o Senhor que foi preso esqueceram-se dele. Ficou no xilindró por quatro meses. Coitado. Dizem que chorava a mais não poder. Brasil, oh meu Brasil brasileiro. Mas quem sabe serviu também de lição para o delegado? Risos!