Lendas Escoteiras.
O Tigre dente-de-sabre da Gruta das Esmeraldas.
Tem certas
histórias que não deviam ser contadas. São aquelas que fazemos papel de bobo, e
nos chamam de idiotas escoteiros. Lembro que os seniores viviam se gabando de
suas aventuras que faziam em seus cavalos de aço. Eu também tinha um. Belo, cor
vermelha, pneu balão faixa branca, Phillips importada e na Patrulha todos
tinham a sua. Eu andava lá pelos meus doze anos. A Patrulha já acampava
sozinha. Tonhão o Monitor era Primeira Classe e Vadico o sub. monitor Segunda
Classe. Os demais Joventino e Clarinho também tinham sua Segunda Classe. Eu
sabia que ia receber no mês seguinte. Não devia nada a ninguém nos meu
conhecimentos escoteiros. Afinal já ia longe o dia que completei minhas vinte e
cinco noites de acampamento.
Acho que
foi em uma reunião de Patrulha, em uma quarta na casa do Moreno o socorrista
que surgiu a ideia. Conversa vai, conversa vem lancei um desafio – Afinal
porque os seniores saem por aí, fazem grandes jornadas, voltam contando
“patacas” e nós escoteiros não fazemos nada? Todos me olharam espantados. –
Vadinho você sabe que sem autorização da Corte de Honra não podemos fazer nada.
Disse Tonhão. Portanto vamos ficar na nossa. Não concordei. Continuei
martelando. – Olhe eu tenho uma ideia fantástica. Já preparei tudo. Como nossos
cavalos de aço sairemos em um sábado rumo a Lagoa dos Peixes. Lá vamos fazer um
exploração na Gruta das Esmeraldas. Até hoje ela é pouco explorada. Levamos
quatro carreteis de linha dois. Cada um tem mais de 300 metros. Amarramos na
entrada e vamos até onde possamos chegar dentro da gruta. Voltar é fácil. Só
seguir a linha e já pensaram quando souberem que fomos lá?
Vi nos
olhos de cada um o desejo da aventura. –
continuei – Não falamos aonde vamos. Quem sabe diremos que fomos fazer uma
exploração no Riacho Vermelho? Não comentamos de ir lá um dia para conhecer? –
Tonhão coçou a cabeça. – Façamos o seguinte no sábado vamos nos reunir aqui em
casa depois da reunião. Cada um tente pesquisar na Biblioteca Central sobre a
gruta. Vamos conversar, mas nada de tomar posição. Dito e feito. Eu já tinha
tudo preparado. – A gruta como sabem fica próximo a Lagoa dos Peixes. Já foram
explorados mais de 511 metros de extensão, mas dizem que são mais de 5.000
metros com tantas cavernas que é fácil se perder. Feita de Rocha Calcária foi
formada no passado por restos marinhos do fundo do mar raso, da bacia do Rio
das Velhas. O primeiro homem a explorar a gruta foi o dinamarquês Peter Wilhelm
Lund em 1835. Sei que depois muitos foram lá. Descobriram restos de fósseis
pré-históricos dentre eles o Tigre dente-de-sabre e a Preguiça gigante.
Não teve
jeito. Duas semanas depois em um sábado partimos bem cedo. Nossos Cavalos de
Aço (bicicletas) levavam o que precisávamos. Sem barracas, pois dentro da gruta
não precisava. Lanche e ração C. Quatros horas depois chegamos a sua entrada.
Fácil. Sem vigia e toda a entrada coberta por uma vegetação rasteira. Começamos
a entrar na gruta. Levamos duas lanternas, usamos mais nossos três lampiões a
querosene. Joventino e Clarinho tomavam conta dos carreteis de linha. Andamos
mais de 600 metros. Uma escuridão total. De vez em quando saiamos em belos
salões que mesmo com pouca iluminação eram de tirar o folego. Lindo demais. Paramos
por volta das duas da tarde em um salão gigantesco. Na parte baixa um belo de
um lago que além de raso tinha lindos peixes vermelhos e azuis a nadar em sua
superfície.
As cinco
Tonhão sugeriu que não fossemos adiante. Dormir no salão e voltar no dia
seguinte. Claro tudo era marcado pelo meu relógio e do Tonhão. Os demais não
tinham. Na escuridão não sabíamos se era dia ou noite. Não foi fácil encontrar
gravetos para o fogo. Mal deu para fazer uma sopa e um cafezinho. Todos
cansados nem bate papo ouve. Nem uma conversa ao pé do fogo. Estava dormindo
quando fui acordado por um grito de Vadico. Levei o maior susto. Do outro lado
do lago um enorme Tigre dente-de-sabre que nos olhava com enormes olhos negros.
Tinha mais de dois metros de altura. Ficou andando de um lado a outro pensando
como atravessar o lago e fazer o seu banquete. Não deu outra. Ninguém ficou
para trás. Aprontamos uma correria e nos perdemos de nossa linha que iria nos
trazer de volta a entrada da gruta.
Ficamos
parados no fim de um corredor que não nos levava ao lugar algum. Não ouvíamos
nenhum barulho. O ar parecia que estava acabando. Resolvemos voltar. Para onde?
Não tínhamos nenhum senso de direção. Bussola? Elas ali não funcionavam. Por
sorte já era umas oito da noite de domingo achamos a linha. Para a direita ou
esquerda? Votos e votos. Para a direita. Duas horas depois chegamos à entrada.
Cacilda! Que alegria. Lá escondida em
uma moita de capim colonião estava nossos cavalos de aço. Chegamos a nossa
cidade as duas da manhã. Normal ninguém deu por nossa falta. Sábado, tropa
reunida, depois do cerimonial de bandeira Tonhão pediu a palavra. Contou tudo.
A Corte de Honra nos proibiu de sair só por seis meses! E o Tigre
dente-de-sabre? Melhor calar. Contar para que? Para os seniores fazerem gozação?
Hoje eu
sei que a Gruta das Esmeraldas é visitada por turistas que podem ver sua beleza
de seus 511 metros que são abertos ao público. 16 salões fantásticos. O salão
da Noiva e o Salão da Catedral pode-se ver imagens formando santos, púlpitos e
nichos. Quem sabe foi um destes que achamos ser um tigre dente-de-sabre e
pensamos que estava vivo? Melhor parar
por aqui. Sei que não acreditam que foi verdade. Que seja. Mas eu nunca mais
esqueci a Gruta das Esmeraldas. Em minha vida Escoteira estive em várias
outras. Mas além desta em nenhuma das demais teve o sabor de aventura da
primeira. Pelo menos aprendi a não ser tão afoito. Não fui bom Escoteiro tentando
fazer tudo escondido. Mas aprendi a lição. Isto nunca mais aconteceu!
(os nomes aqui citados foram alterados para evitar familiares
tristes, pois sei que todos já foram para o outro lado da vida. Breve estarei
junto a eles e quem sabe teremos lindas grutas a explorar nas lindas estrelas
perdidas da via láctea?).
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