Lendas escoteiras.
O último duelo ao por do sol.
Pedalando sobre o sol forte da manhã, eu me mantinha na fila que fora
organizada pelo Chefe Rildo na Estrada do Quinzinho. Quatro patrulhas indo
acampar na Garganta do Rio Mimoso. Iriamos ficar na área mais larga onde nunca
tinha acontecido uma enchente. Ficava entre as Montanhas do Roncador e a
Montanha da Lua. Eu conhecia muito bem. Acampei diversas vezes com a Patrulha. Agora
melhor, todas as patrulhas presentes. Chegamos por volta das onze da manhã.
Corre- corre para montar campo e fazer o almoço. Eu tinha uma predileção pelo
local. Tinha muitos amigos lá. Habitantes da floresta e da garganta do Rio
Mimoso. Já contei a vocês que eu tinha um dom. Entendia e conversava com os
animais e pássaros da floresta. Eram todos meus amigos. Esperava encontrar lá A
Coruja de Olhos Verdes, O Tatú Bola que jurava ter mais de cem anos. A Família
Zuarte deveria ter crescido. Antes eram quinze macaquinhos prego e muitos deles
esperavam filhotes.
Sabia
que na calada da noite a Onça Parda e o Lobo Guará iriam me esperar na curva da
tartaruga. Um local onde sempre a bicharada se reunia. Meus amigos da Patrulha
sabiam do meu dom. Mas nem todos acreditavam. Nem mesmo quando o Gavião Maltes
veio avisar que o rio formava uma enchente enorme na cabeceira. Foi à conta de
desarmar as barracas, pegar as tralhas que o rio começou a subir. Questão de
minutos. Dei falta da Coruja de Olhos Verdes. Só apareceu por volta do lusco fusco
do entardecer. – Oi Escoteiro, como vai? Olhei e lá estava ela na grande árvore
onde fazia sua morada. Disse ao Monitor que ia tentar achar umas bananas e ele
riu matreiramente. Sabia que ia procurar a Coruja de Olhos Verdes. Ela já
chegou? Sim. Ela não quer vir aqui. Muitos das outras patrulhas não iam
entender.
-
Sabe Escoteiro, amanhã vai ser um grande dia, dizia a Coruja de Olhos Verdes.
Toda a bicharada da garganta, da mata do Jambreiro e acho que até das Montanhas
da Lua e roncador já confirmaram presença. Vão vir para a luta mortal! - Luta? Que luta
Coruja dos Olhos Verdes? Perguntei. – A luta das cobras venenosas. – Mas porque
vão lutar? Sempre foram de paz e
respeitavam até os humanos que passavam por aqui! – Sempre foi assim,
respondeu. Mas ontem começaram a discutir na Prainha do Melão quem era mais
forte, quem era mais valente, quem tinha o veneno mais poderoso e quase saíram
às raias de fato ali mesmo. A cascavel Mor e a Surucucu Papaia gritaram tão
alto que a bicharada que foi lá beber água se assustaram e correram. Quando
cheguei os olhos das duas estavam vermelhos. Chispas azuis, vermelhas e
douradas salpicavam em todas as direções. Vi que iam se engalfinhar, mas o
Quati da Floresta Negra separou e deu ideia para o duelo.
Fiquei
pensativo. Não iam duelar e sim entrar numa luta de mortal. Eu conhecia a Chefe
da Tribo das Cascavéis. Uma ou duas vezes conversei com a Surucucu do Rabo
cortado. Nunca me fizeram mal. Eu sabia que ali e nas matas distantes existia
uma lei. Não escrita, mas que todos obedeciam. A Lei da Selva. A própria Coruja
de Olhos Verdes que era considerada a mais sabia já dizia que “uma coisa não é
justa porque é lei, mas deve ser lei porque é justa”. Ali o respeito existia.
Sabiam todos que um dia iriam servir de antepasto para um mais forte, mas só
quando sentiam fome. Achei que devia interferir. A Coruja dos Olhos Verdes
achou que não. Não disse nada, mas iria estar presente. – Onde iriam duelar? Perguntei.
– Na Pedra Cinzenta do Papo Amarelo. Sabia onde era. Fui lá varias vezes.
Escolheram bem. Todos ali seriam vistos.
Combinei com o Monitor para me liberar entre quatro e sete da noite do
dia seguinte. Ele um grande companheiro não se fez de rogado. Cheguei por volta
das cinco da tarde. Quase toda a bicharada estava presente. Lá estava o
Tamanduá Bandeira, O peixe-boi, a Arara azul-de-Lear. Várias onças pintadas,
Jaguatiricas, quatis, gaviões, águias coloridas e falcões de todo o tipo. Era
bicho que não acabava mais. Iam chegando e procurando o melhor lugar para ver a
luta mortal. A Cascavel chegou acompanhada de duas aranhas negras. Logo chegou
a Surucucu com mais de vinte escorpiões amarelos ao seu redor. Não houve conversa,
não houve apito e nem gongo. Elas logo se engalfinharam. Eu sabia que não seria
uma luta de morte. Não tinham veias e nem sangue, portanto os venenos das
mordidas não fariam efeito. Lutaram-se, engalfinharam-se, tentaram enroscar uma
na outra até que cansadas cada uma se estirou em um canto.
Houve um silencio momentâneo e depois uma
vaia infernal. Os Macacos Prego guinchavam e urravam nas arvores. Outros
rugiram, aves cantavam gritantes no ar. – Uma lutinha! Uma lutinha de nada!
Diziam. Resolveram fazer uma Indaba ali na hora. Fizeram oito comissões. Tema –
Castigo para as cobras venenosas que não eram de nada. Cada comissão fez um
relatório e apresentou para a Coruja de Olhos Verdes. Esta no alto da árvore
gritou alto – Que se lavre em ata, que hoje, 12 de fevereiro, ano santo, Foi
dado uma punição a Dona Cascavel e a Dona Surucucu por seis meses. Elas ficarão
proibidas de morder quem quer que seja. Nem poderão caçar o sapinho do lago
dourado. Iram se alimentar de folhas e tomates verdes!
Um urra! Mais um e outro. A bicharada cantou alto a Arvore da Montanha e
foram cada um para suas casas. Cheguei ao campo era mais de oito da noite. O
Monitor disse que o Chefe perguntou por mim na hora do jogo. Deu uma desculpa
de dor de barriga. No ultimo dia após o cerimonial a Surucucu e a Cascavel
vieram me pedir desculpas. Pediram para eu interceder por elas na Corte de
Honra das Corujas Buraqueiras. Mandei uma carta por escrito e parti com a
escoteirada para minha cidade. Devo voltar lá no próximo domingo. Só eu e o
Monitor. Vou tentar ver se ele vai ser aceito na comunidade dos bichos e
animais da floresta. E também saber se perdoaram as cobras venenosas.
E acreditem se quiser... Mas é bom saber que eu falo com eles.
Eu Juro pela Alma do Jumento Cinzento que morreu de tanto comer capim. Que
assim seja!
Nenhum comentário:
Postar um comentário