Lendas escoteiras.
Zé Celso Pescador e o descomunal
Mexilhão-Dourado.
Zé Celso era
Escoteiro da Patrulha Morcego. Zé Celso era um Escoteiro comum, nada de mais
como menino. Claro, altura mediana, magro e franzino para os seus doze anos. Tinha
os cabelos crespos apesar de sua cor branca. Sua mãe Dona Eulália e seu pai
Senhor Chaparral eram brancos, mas diziam que seu avô por parte de mãe foi
escravo da fazenda do Coronel Miltinho. Seu pai era mestre pescador. Viviam da
pesca que ele retirava do Rio Tambaú. Os peixes estavam rareando. Já não eram
mais como antigamente. Mesmo com a atuação dos Militares Ambientais, a pesca de
rede era frequente. Zé Celso nasceu no rio. Adorava pescar. A Patrulha adorava
Zé Celso, não só pela sua calma, pela sua educação, pela sua voz ponderada, mas
também por que sabia que com ele comeriam uma boa moqueca de peixe. Alem de
pescar era exímio nos pratos de pescados. Seja em panela ou assado na brasa.
Quem me
contou esta história não foi ele. Foi Wantuil seu Monitor há alguns anos atrás.
Encontrei-me com ele na Barra do Jacu, onde levei um Clã Pioneiro para descer o
rio até a foz do São Francisco. Os pioneiros se deliciaram com a história. No
final ele foi ovacionado e até pagaram uma lauta refeição no refeitório do
barco a vapor que viajamos. Quando contava a história me lembrei do conto de O VELHO E O MAR de Ernest Hemingway. A luta do "Velho"
pescador pelo peixe da sua vida. Acho que todos devem ter lido. Mas vamos à
história. Wantuil disse que foram acampar na barranca do Rio Tambaú bem próximo
onde desaguava o Rio Colorado. Nada de novo no acampamento que significasse
mudar o rumo da história a não ser no segundo dia centenas de urubus a voarem
em cima do acampamento. O Chefe Mira Flores ficou cismado e tanto procurou que
achou um enorme touro preso na beira do rio no meio de cipós trazidos pela
cheia. Os urubus sabiam que era morte certa. Nada que o Chefe Mira Flores desse
um jeito. O touro foi solto.
Como sempre Zé Celso foi liberado para sua pescaria. Sabia que ali tinha
peixes de bom tamanho e pretendia presentear a todas as patrulhas neste
acampamento com um bom pescado. Depois da inspeção ele foi liberado. Era mestre
em armadilhas. Fazia uma que era tiro e queda. Uma vara flexível de bambu, de
mais ou menos dois metros e meio, um cabo fino de mais ou menos um metro prezo
com um anzol grande. Bem abaixo no pé do bambu outro de uns vinte centímetros amarrado
transversalmente com uma amarra diagonal. Na ponta deste menorzinho ele cortava
fatias de mandioca que se encaixavam no bocal do bambu. Esticava o cabo
segurava no anzol e enfiava a ponta na mandioca. Soltava devagar, pois se não
ficasse bem preso sua mão ou seu dedo seriam fisgados.
Zé Celso fez três destas armadilhas. Entrou na água por um oito metros e
fincou cada bambu no fundo do rio. Ali não era fundo. Não mais que um metro e
meio. Dava para ver a ponta das varas. Agora era esperar na margem que algum
Piau ou então um dourado mordesse. Se desse certo e sempre dava em pouco tempo
teriam um ou dois peixes fisgados. O primeiro cabo da vara se soltou. Vazia.
Lambaris pensou. Eles sempre atrapalham. Meia hora, uma hora e a segunda vara
entortou toda. Um peixe havia fisgado. Zé Celso correu para dentro d’água.
Sabia que o peixe com sua força arrancaria em pouco tempo a vara da areia no
fundo do rio. Quando foi segurar a vara levou o maior susto. O maior Dourado
que ele já vira. Sem mentiras, pois o Escoteiro não mente tinha mais de doze
quilos. Enorme. De vez em quando vinha à tona e dava um salto que maravilhava
Zé Celso. O sol batia sobre sua pele e o peixe brilhava na sua cor vermelha e
metálica.
Zé Celso ficou ali segurando a vara fincada no rio. Não podia soltar.
Sabia que gritar aos amigos não adiantava. Longe demais. Esqueceu-se de avisar a eles onde estaria e o
acampamento ficava a mais de dois quilômetros de distância. Meio dia, uma hora,
duas três. O peixe não se cansava. Corria para todo lado. Uma perna de Zé Celso começou a dar câimbra.
Ele estoicamente não desistiu. Ficou ali. Era o seu maior peixe. Não iria
perdê-lo nunca. Quatro horas, seis começou a escurecer. Agora sabia que já
estavam o procurando. Em breve o achariam. Oito da noite, nove, uma hora da
manhã. Nada. Um frio de doer. Zé Celso lá. Não largava o seu peixe de jeito
nenhum. Seus lábios tremiam. Seus dentes batiam um no outro. Às quatro da manhã
começou a se sentir cansado. Seu corpo não queria mais obedecer a sua mente.
Fez o que nunca deveria ter feito.
Pegou o cabo da outra vara. Amarrou a vara do peixe em sua perna.
Arrancou a vara e se deixou levar na correnteza. Nadava bem e sabia boiar. O
dia amanhecendo. Zé Celso boiado rio afora. Pensou que quando passasse por
baixo da ponte do Cavalo Doido alguém o veria. O dia já havia amanhecido. Um
pescador o viu. Foi até ele com seu barco. O ajudou até margem. Quando retirou
a vara o peixe era só esqueleto. Um enorme espinhaço. As piranhas quando desceu
o rio o comeram quase todo. Zé Celso chorou. Tanto trabalho por nada. A tropa o
encontrou exausto próximo à ponte. O procuraram a noite toda.
Zé Celso não pegou seu maior peixe. Mas foi ovacionado por todos os
escoteiros. Ficou conhecido pela sua tenacidade. A cidade em peso soube de suas
história. Quando passava na rua era cumprimentado. Na sua sala de aula a
professora fez um discurso para ele. – Disse: - Que Zé Celso seja o exemplo
para vocês. Desistir nunca! Nunca mais Zé Celso pegou um peixe daquele tamanho.
Não desistiu de pescar e a patrulha comeu bons guisados de peixe frito na
brasa. Sei que levaram a espinha do Dourado e colocaram no coreto em praça
publica. Ficou lá por muitos anos. Todos até hoje imaginaram se Zé Celso
tivesse pegado seu peixe. Como se diz por aí, nem sempre temos aquilo que
gostaríamos de ter.
Guardei esta história e até hoje conto para meus escoteiros. Uma lição
de vida. Verdade ou não exemplos são feito para serem seguidos e o de Zé Celso
não pode ser olvidado nunca!
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