Uma linda historia escoteira

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Era uma vez...

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Katixilda, a Cascavel encantada do Vale dos Sinos.



Lendas escoteiras.
Katixilda, a Cascavel encantada do Vale dos Sinos.

                         Eu sei de muitos escoteiros que tem medo de cobras. E que medo. É uma preocupação dos pais. Eles dizem: - Mas lá não tem cobras? Cobras, cobras, quantas já vi. Aprendi a conhecer uma bela Cascavel (é linda!), adorava quando via uma bela Surucucu negra, ou uma Urutu. E as Jararacas? Tantas diferentes. Cada uma mais espetacular que a outra. Custei a aprender a identificar uma coral venenosa de outra que não era. Só fui ver pessoalmente uma Sucuri com onze anos. Linda! Enorme. Meu pai contava que uma noite na revolução de trinta a tropa parou para descansar. Sentaram em um enorme tronco. O tronco começou a mexer e andar. Assustados levantaram. Uma enorme Sucuri. Ele ria quando contava, afinal éramos no regimento mais de quarenta soldados e todos sentados no “tronco”. Este meu pai era um pandego.

                        Sempre foi uma preocupação. Eu nunca me preocupei. Quantas vezes acampei na minha vida? Centenas e centenas de vezes. Quantas cobras mordeu alguém neste período? Nenhuma. Nunca ouvi falar de um Escoteiro mordido por cobra. Aprendi que basta conversar normalmente, andar no mato sem medo, fazendo barulho, um bom fogo à noite e as cobras desaparecem. Elas é que tem medo da gente. Só atacam se sentirem hostilizadas ou ameaçadas. Mas poucos acreditam nisto. E por falar a verdade se matei duas ou três cobras foi muito. Ouve uma época em uma fazenda que as casas de cupins proliferavam. Um trator de esteira limpava, mas ficava os buracos. Lá sempre uma Cascavel. O gado não tem medo e assim uma vez ou outra morria um deles picado por elas. Resolvi então ser um “Caçador de cobras”. Fazia um pequeno fogo no buraco, elas saiam sorrateiras e eu as laçava com uma vara grande com um cabo amarrado. Toda semana mandava umas duas para o Instituto Butantã. Ele nos mandava as caixas de madeira própria para isto. Sem despesas.

                     Mas chega de “galengas” e vamos ao ponto. Vamos à história. Aconteceu as margens do Rio Parecis. Acampamos lá por três noites. O Senhor Nicodemos proprietário das terras deu permissão e nos alertou das cobras. Eram muitas, deveríamos tomar cuidado. Acampamos bem próximo ao Vale dos Sinos. Espetacular! Bambus de todos os tipos. Quedas d’água formando piscinas naturais. Uma floresta enorme, quase intocada. Um lago enorme, não deu para ver o seu tamanho. Era para mim o melhor local de acampamento que tinha visto. Eu estava com meus dezesseis anos. No primeiro dia ficamos por conta da preparação do campo. Um programa que discutimos na sede dizia que devíamos construir um pórtico, diferente, para ser feito no próximo Acampamento Distrital de Patrulhas. Soubemos que haveria uma competição e o melhor pórtico receberia um prêmio.

                    No segundo dia fui até um local descampado para ver se achava “Barro Branco”. Um barro especial muito bom para cobrir construções, fazer paredes, colocar nas panelas para ficar fácil à limpeza, construir fogões, fornos tantas coisas que nem lembro mais tantas que fiz. Logo ouvi o barulho conhecido. O chocalho de uma cascavel. Melhor voltar. Sabia que era um aviso e quem avisa amigo é. Dei meia volta quando ouvi uma voz rouca e baixa. – Pode falar comigo? – E agora? Quem seria? Procurei e não vi nada. Logo ela apareceu. Era uma linda Cascavel. Seu chocalho era maravilhoso. Mas “diabos” Cascavel fala? Não fala. É um animal peçonhento que ninguém gosta. Eu não tinha nada contra. Parei e olhei para ela. Ela levantou a cabeça e depois metade do corpo. – Fale, eu disse. Mas longe de mim! – Calma ela disse. Não vou morder você. Não posso mais. Não tenho mais veneno. Não sei o que está havendo. Todas as cobras do Vale do Sino perderam suas condições de produzir o veneno que precisam para sobreviver.

                      Caramba! E agora? Uma cobra que fala? Estou maluco? – Ela continuou – Iremos fazer uma reunião hoje na Pedra do Sapo Morto. Todas as cobras estarão lá. Eu queria convidar você. Quem sabe pode ajudar? – Eu ajudar Dona Cobra? - Claro que sim ela disse. Mas me chame de Katixilda. É meu nome de batismo. – Boa esta pensei. Cobras batizadas. Devia estar sonhando. Mas recusar? Nuca. Convite feito convite aceito. Ela me pediu para ir só. Às quatro da tarde daquele dia. – Dito e feito disse ao Monitor que ia a uma reunião de cobras. Ele riu a valer. Sabia onde era a Pedra do Sapo Morto. Lá fui eu no horário marcado. Na porta encontrei com a Katixilda. Centenas de cobras espalhadas. Jiboias, urutus, cascavéis, corais de todo tipo, jararacas, e interessante, lá estava uma Cobra Marrom que não existe por aqui, sem esquecer duas dezenas de Píton. 

                     Ninguém olhou para mim. Olhavam divertidos para uma cobra Surucucu, mais de três metros, muito velha e gorda, que contava piadas. Piadas? Isto mesmo ela ria e dizia – O cara era gordão. Resolveu fazer suas necessidades perto do meu barraco. Quando abaixou dei duas dentadas no seu gordo trazeiro. Precisavam o ver gritando – Meu Deus! Minha Nossa Senhora! Vou morrer! Ajudai-me todos os demônios. Mal sabia ele que não tinha veneno. – E lá na igreja do povoado? Foi em um domingo. O padre celebrava a missa e entrei na igreja. Afinal não posso rezar também? Devagar fui me aproximando do altar, quando ele me viu berrou alto – Cobra! O capeta na igreja! Corram meus amigos, salvem-se quem puder. Eu também corri. Sabia que um valente iria aparecer para me matar. E ela a Surucucu rolava de rir. Uma enorme Píton Amarela assumiu a presidência. Deu a palavra franca. Discutiram muito. Como achar o veneno? Onde ele foi parar?

                     Entrei na conversa – Onde bebem água? No lago disseram. Pois é lá que estão perdendo o veneno. Deve ser a quantidade de sapos que moram lá. Deixam sua gosma na beirada da lagoa e vocês bebendo engolem a gosma deles. Passem a beber só no riacho. – Uma salva de palmas. Palmas? Elas batiam o rabo nas pedras para fazer barulho. Precisavam ver o barulho de dezenas de Cascavéis batendo o chocalho. Dona Píton veio até onde eu estava e agradeceu. Agora podemos voltar ao que éramos. Muito obrigado escoteiro. – De nada respondi. Faço sempre uma boa ação e ajudar as cobras era uma obrigação. Ri do que disse. Mas ali me tornei amigo delas. Prometeram-me nunca morder um escoteiro. Confiei na palavra delas. Voltei para o acampamento. Catixilda sorria e me acompanhou. Pediu para me dar um beijo. Abaixei e ela passou a língua no meu rosto. Sumiu depois na ravina do pescador.

                    Quando conto esta história ninguém acredita. Fazer o que? Se não acreditam num escoteiro sênior irão acreditar em quem? Tudo bem, pelo menos fiquei amigo das cobras. Sempre quando ia acampar tirava um tempinho para jogar conversa fora com elas. Dizem que somos amigos dos animais e das plantas. Cobra não se enquadra? Que seja. Eu nunca mais matei nenhuma. Se precisassem de mim, podia contar. Só neguei quando uma Cascavel enorme queria saber onde era o Instituto Butantã. Queria ir lá com mais uma centena de cobras para soltar todas que estavam presas lá. “Necas” eu disse. Ela não ficou com raiva e sempre querendo me dar um beijo. Quantos beijos de cobras eu ganhei? Não sei e não quero saber. A gente não escolhe os amigos. Eles aparecem e as cobras? Claro são minhas amigas e eu adoro elas! Risos.                   

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