Conversa ao pé do fogo.
Quinzinho, um amigo de verdade.
- Eu juro palavra de Escoteiro que não fui eu! – Mas você estava lá,
disse que não podia ir conosco, pois estava com o pé doendo, se ofereceu para
tomar conta do campo na nossa ausência. Nós confiamos em você e agora disse que
dormiu? – Tico, por favor, eu dormi um soninho de nada! – Tico olhou para os
outros Monitores e para o Chefe Darli. Ele mesmo como presidente da Corte de
Honra não sabia que atitude tomar. Estavam em reunião da Corte há mais de uma
hora. Marlon sempre foi um bom Escoteiro. Mais de dois anos na tropa, mas por
duas vezes em um acampamento na fazenda do Seu Jorginho alguém entrou no
acampamento e roubou todos os víveres. Tiveram de voltar. Na primeira vez Marlon
deu a mesma desculpa, mas duas vezes é demais. – Espere lá fora Marlon. Vamos
deixar a Corte de Honra decidir. Chefe Darli não dizia nada. Deixava que os
Monitores tomassem as decisões a não ser quando ele via que alguém poderia ser
prejudicado o que não era o caso.
Meia hora depois
Marlon foi chamado. – Foi Tico quem deu a sentença – Marlon, infelizmente você
foi suspenso por trinta dias. Achamos que não foi você quem tirou os
mantimentos, mas alguém foi e por sua culpa. A tropa Escoteira ficou desolada.
Acharam que Marlon não merecia a suspensão. Mas o Chefe Darli explicou que cada
um de nós temos que assumir nossas responsabilidades e se algum acontecer não
podemos fugir as nossas culpas. Eu
estava como Sênior na época. Tinha seis meses que fizera a passagem. – Quem
seria o culpado? Quem tirou os mantimentos? – Metido a detetive, pois naquela
época começaram a pipocar nas bancas livros de bolso e eu um leitor inveterado
achei que tinha por obrigação de descobrir. Primeiro – Os roubos foram todos na
Fazenda do Seu Jorginho. Segundo - Marlon
acampou em outros lugares e nada aconteceu. Terceiro - O local era longe da
fazenda e impossível alguém de lá ir ao campo para isto. Quarto, melhor ir lá
acampar e ver. Dito e feito. Mochila nas costas eu e o Gentil partimos em uma
sexta a noite com as nossas bicicletas.
Combinamos eu e o Gentil o que fazer. Barraca armada, intendência
pronta, toldos nos lugares e o Gentil partiu como se fosse fazer uma jornada de
Primeira Classe. Eu fiquei encostado em uma seringueira a dormitar. Ou seja,
fingia dormitar. Caramba! E não é que dormi mesmo? Acordei com tudo mexido na
intendência. As linguiças, a farinha, meia dúzia de bananas, quatro laranjas,
feijão cozido (levamos de casa) tinham desaparecido. Gentil não deu trégua. - O
detetive de araque dormiu? - Fazer o que. Em volta da intendência nenhuma pista.
Procurei até o bosque e nada. Voltamos para a cidade. Na semana seguinte
voltamos. Eu não era de desistir fácil. À tarde, sonolento (fingindo) fui
deitar na sombra da seringueira. E foi então que avistei o famigerado ladrão de
comida. Desta vez ele não ia escapar. Atrás do bosque ele veio de mansinho,
cabeça baixa, levantando e abaixando como se estivesse cansado. Nada mais nada
menos que um Macaquinho carvoeiro. Um pobre coitado, magro pelagem caindo e um
olhar triste, pois só andava de cabeça baixa.
Não caminhava em linha reta. Parecia não ver o caminho ou como se estivesse
com sono. Entrou na intendência e eu atrás. Peguei-o pelo rabo. Guinchou alto.
Um berreiro tremendo, tentou correr e se soltou da minha mão. Correu a esmo e
bateu a cabeça em uma árvore na entrada do bosque. Porque não subiu em uma
árvore? Pensei. Ele ficou grogue. Levei-o no colo até ao acampamento. Gentil
chegou e deu belas risadas do ladrão de comida. – Melhor soltá-lo, veja – disse
– está sozinho e seu bando? Realmente ele estava só. Nessa hora acordou.
Levantou e vi em seus olhos manchados de vermelho que ele não olhava para mim.
Só para os lados se virando sem parar. – Cego! Isto mesmo. O macaquinho era
cego. Abandonado pelos seus. No bando se não podia se virar não podia ficar.
Resolvemos ajudar. O levei para minha casa. Foi sem reclamar. Dócil
muito dócil. Havia uma seringueira enorme. Ele adorou. Todos os dias dava para
ele um pouco de arroz e feijão, bananas e laranjas. Ele adorava. No sábado na
reunião comuniquei ao Chefe Darli quem era o ladrão. Ele sorriu – Olhe Vado, eu
sabia que o Marlon não tinha roubado comida. Isto não. Mas ele foi negligente.
Isto um dia poderia prejudicar muitas pessoas. Melhor ele aprender agora a ser
responsável com suas obrigações. Concordei com o Chefe. Levei Quinzinho (novo
nome que eu e o Gentil colocamos nele) o macaquinho para a sede. Nós os
seniores construímos um ninho de águia para ele em duas mangueiras que existiam
lá. Paradoxo, um macaco em um ninho de águia. Todos nós levávamos comida para
ele. Precisavam o ver nas reuniões, pulava, guinchava, gruía e fazia mil
piruetas. Mesmo cego sabia que tinha amigos protetores. O seu bando o deixou e
o bando dos escoteiros o adotou.
Aprendeu de tudo. Ensinaram-no a fazer a saudação. Vinham pessoas da
cidade só para o ver fazendo a saudação, marchar, pular nos gritos de Patrulha.
Ele conquistou um amigo, o maior amigo que já teve. Nada mais nada menos que
Marlon. Sei que no Grupo Escoteiro ele ficou até morrer quinze anos depois.
Nunca voltou a enxergar, mas agora sabia que seriam seus amigos. Estava em
casa. Vivia feliz. Tinha uma nova família. Eu mesmo fiquei pouco tempo no Grupo
Escoteiro. Meu pai doente foi para a capital e eu fui também. Mas sempre
recebia uma carta, um telegrama falando de Quinzinho. Soube que ele não perdia
um acampamento ou atividade extra sede. Acredito que todos que o conheceram
nunca o esqueceram. Assim como foi comigo acredito que ficou gravado no coração
de todos os escoteiros que o conheceram.
Ops! Não posso esquecer. Marlon juntou dinheiro, muito na época e
comprou uma macaquinha fêmea que dizem jurou fidelidade para sempre a Juquinha.
Que os digam o Prince, Caledônio, Naninha e a própria esposa Juquita, quatro
macacos carvoeiros que pelas noticias que recebo estão morando na sede até
hoje!
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