Lendas escoteiras.
A incrível paixão de Lourenço Malenkaia.
Ele era o Escoteiro mais
querido no Grupo Escoteiro Mar de Espanha. Era admirado e todos sabiam dos seus
feitos nos grandes acampamentos e nas jornadas intermináveis que fazia e
deixava saudades por aqueles que tiveram a honra de participarem junto a ele.
Estou falando de Lourenço Malenkaia. Não foi da minha Patrulha, era da Leão. Mas
ser seu amigo era motivo de orgulho. Alto, magro, cabelos louros encaracolados
e sempre com um sorriso nos lábios, Lourenço Malenkaia sabia como fazer amigos. Com quinze anos pediu ao Chefe
se podia ficar até os dezesseis. Queria terminar sua Primeira Classe com chave
de ouro. Pediu e o Chefe aceitou que fizesse a jornada sozinho. Queria ficar três
dias, só ele, uma faca, um facão, uma manta, sal e óleo e mais nada. Seria seu
desafio. Precisava provar a sí mesmo que sobreviveria. As outras patrulhas assustaram. Como? – Isto é
possível? De Lourenço Malenkaia nada era impossível.
Partiu sozinho em uma sexta pela manhã, garboso
um sorriso enorme, atraindo olhares rumo a Mata do Roncador. Todos o olharam
com orgulho. Mochila nas costas, um bastão a tiracolo e cantando “Avançam as
Patrulhas” em marcha de estrada lá foi ele rumo à trilha do Cardim para
atravessar o Rio Jambreiro na parte alta da fazenda Santa Cecília. Todos
escoteiros ficaram ansiosos com sua volta. Era um fato inédito. Uma jornada
sozinho? Nunca aconteceu. No domingo a tarde ele apareceu na curva do Urubu
Rei, próximo à porteira do seu Nonato. Cantando, sorrindo, chapéu jogado para
trás, mechas de cabelos louros caindo na testa uma passada que dava inveja lá
foi ele para a sede onde se apresentou ao Chefe Jessé garbosamente – Pronto
Chefe! Jornada realizada. Para dizer a verdade e pelo que eu saiba ninguém mais
repetiu o feito de Lourenço Malenkaia. Dizem eu não sei bem que até hoje a
Patrulha Leão é procurada por muitos para ler no Livro de Ata tudo que Lourenço
Malenkaia fez e ali foi escrito.
Lourenço Malenkaia era filho
do médico Doutor Arthur Malenkaia e de Dona Arminda Malenkaia, que trabalhava
no Escritório do Advogado Pedreira. Não era um aluno brilhante, mas no Colégio
Dom Pedro era muito querido. Que o diga o Padre Bento Solano diretor e o terror
dos demais alunos. Eu e Lourenço Malenkaia não éramos íntimos. Nunca fomos. Até
hoje não entendi porque ele me procurou naquela manhã de domingo. Pelo que me
constava devida ter ido com sua Patrulha acampar nas margens do Rio Barão
Vermelho em um acampamento de cinco dias. Eram férias de julho. Eu não tinha
ido junto a minha Patrulha. Meu pai adoecera e precisava de mim para abrir sua
sapataria, pois além de arreios para cavalos ele também fabricava sob encomenda
sapatos na medida. Qualquer venda valia o almoço da família. Ele adentrou na
sapataria com os olhos tristes e chorosos. Eu estava sozinho engraxando alguns
pares de sapato, que me daria uns trocados e o seu Sempre Alerta foi dado sem
nenhuma alegria.
Preciso falar com você –
disse. Fiquei calado. – Você conhece a Dorita Valverde? – Assustei. Claro que
sim eu disse. – Estou perdidamente apaixonado por ela, disse de supetão. Não sei o que fazer de minha vida. – Falar o
que? Dorita Valverde não era a moça mais linda da cidade. Muito conhecida como
a mais traquina e sapeca era o dodói da garotada sedenta de amor. Sua fama de
namoradeira e outras “cositas más” corria longe. Muitos diziam que era a única
que deixa se beijar com beijos de “língua”. Eu mesmo nem sabia o que era isto.
Famosa na cidade principalmente pelos filhos dos bem aquinhoados. Vi que
Lourenço Malenkaia estava de cabeça baixa. Soluçava. – Não sei o que fazer! Não
quero conselhos. Acho que estou louco. Nunca pensei em ficar assim. Amor para
mim sempre foi uma bobagem que em escoteiros como nós nunca vai e não pode acontecer. Quer
saber? – Se amar pode nos deixar loucos então estou louco. – Deus do céu! O que
estava acontecendo com Lourenço Malenkaia?
Eu sempre fui bom ouvinte.
Acho que foi por isto que ele me procurou. Ficamos horas debaixo da aroeira
frondosa da Praça São Joaquim jogando conversa fora naquela noite. Nada demovia
seu intento. – Disse que ela o beijou sem ele esperar no muro atrás do Colégio
das Irmãs Caritas. – Fui pego de surpresa – Mas que beijo! Senti sua língua na
minha boca. Sensação incrível! Nunca imaginei que isto pudesse acontecer. Não
sei meu amigo, acredite virei seu escravo na hora! – Meu Deus! Lourenço
Malenkaia não estava em seu estado normal. Não podia ser aquele Escoteiro
Primeira Classe que era admirado por todos. – Porque não procura o Chefe?
Falei. – Não, ele não vai me ajudar. Vai ficar falando, falando dando conselhos
e acho que ele nem sabe o que é um amor de verdade. – Mas você só tem quinze
anos! – Ainda nem sabe o que é a vida! – Sei sim disse, sei que agora minha
paixão por ela é única. Sei ainda que ela ri de mim, fala de mim como se fosse
um bobão, mas eu sei que a amo. Meu amor é a essência de minha alma. Nunca vou deixar de amar Dorita Valverde.
Não estava entendendo nada. Meus
quinze anos era de menino sonhador. Sonhador de aventuras escoteiras é claro.
Tinha namorada, ainda no "Velho" estilo de só por olhar de longe,
vê-la balançar os cabelos, um piscar de olhos, um sorriso inocente e mais nada.
Beijo? Nem pensar. De língua então me assustava. Olhe, tudo complicou na vida
de Lourenço Malenkaia. Seu pai o deixou preso em casa. Não quis estudar mais.
Um desastre na família. Ele fugia. Encontrava-se furtivamente com Dorita
Valverde. Ela ria dele. Mas não sei sentia algum por ele. O tempo foi passando.
Lourenço Malenkaia foi definhando. Cresceu mas era um trapo de homem. Quem viu
aquele belo Escoteiro não acreditava no que via agora. Soube que o internaram
no famoso Hospício de Barbacena. Hoje considerado um padrão no histórico centro
Hospitalar Psiquiátrico um dos melhores do Brasil.
Para dizer a verdade eu
esqueci completamente do acontecido. Tantas coisas aconteceram em minha vida
que Lourenço Malenkaia foi como uma página virada que não mais me dizia
respeito. A vida de cada um tem um sentido e o destino não pode ser mudado. Li
muito romances sobre grandes amores. O de Lourenço Malenkaia e Dorita Valverde
não tinha igual. Acho que foi um amor impossível de acontecer. Ainda mais de
garotos. Imberbes. Sem nenhum conhecimento da vida. Sabia que não haveria nunca
um futuro na união dos dois. Mas a vida
nos reserva surpresas enormes. Muitos anos depois estava em Capistrano Ferreira
onde tentava vender uma colheitadeira para o fazendeiro Don Antonio Leismael e
a noite, cidade pequena, sem cinema, sem TV porque não tomar um cervejinha
gelada no “Vale das Flores”? Eu estava com trinta e dois anos e claro, casado,
mas era só uma fugidinha, nada de “pulo do gato”. Entrei na Boate da Rosinha.
Até estranhei o luxo. Sentei em uma mesa do canto e logo uma morena linda me
rodeou. “Minina” eu disse, só uma cerveja, não me leve a mal, mas sem
companhia.
Bebericava calmamente ouvindo
o barulho do Xaxado tocando por uma bandinha e eis que aparece nada mais nada menos que
Lourenço Malenkaia! Em pé me olhou e disse: - Vado! O Escoteiro engraxate da
Patrulha Lobo? – Sorri. Eu mesmo Lourenço Malenkaia. Nunca pensei em
encontrá-lo ainda mais aqui. Ele sentou. Sorrindo me contou em poucas palavras
sua vida. – Olhe amigo, repito para você que foi o único que soube me ouvir. Eu
amo e sempre amei Dorita Valverde. Amo com amor. Não conheço nenhuma outra
razão para amar assim. Que queres que te diga, além de que a amo demais. Nunca
a deixei. Sou até hoje seu escravo. Dizem meu amigo que o amor é como o vento.
Não podemos ver, mas podemos sentir. Internaram-me em Barbacena. Fugi de lá.
Vaguei por terras desconhecidas e ao chegar aqui encontrei de novo minha amada.
Ela é dona desta boate. Pouco liga para mim.
De vez em quando me dá um pouco de seu carinho. Aprendi a aceitar as migalhas
que ela me dá. Sou louco mesmo. Louco de amor. Fiz da minha um sonho
imperfeito. Só vivo a me arrastar por esta mulher. Nem digo se é uma doce
paixão. Se amar é um afeto, uma ilusão. Acho mais que é uma loucura. Ele sorria
docemente. Pediu um guaraná. Uma mulher meio gorducha, toda “embonecada”, mas
com feições belas se aproximou. Deu para reconhecer. Era Dorita Valverde. Deu
um beijo na testa de Lourenço Malenkaia. E lá se foi entre as dezenas de
clientes da boate que pediam sua companhia. Nem me olhou. Claro não me conhecia
- E o escotismo? Perguntei. - Nunca mais. Era um amor que tinha no peito e foi
substituído por esta paixão avassaladora. Não disse mais nada. Tomei o último
copo e parti. Nunca mais o vi. Vida é vida, história é história. Destino é
destino. Escolhas são escolhas e o livro arbítrio de cada um não pode ser
alterado ou ignorado.
O sonho de um menino
Escoteiro fugiu em uma nuvem que se espalhou no céu. Não dá para segurar a
brisa e o orvalho da manhã. O melhor é esperar o vermelho do sol nascente. Ele
pode trazer alegrias para uns e tristezas para outros. São recordações que
sumiram como o vento forte que pegou de jeito uma Patrulha em uma ravina
qualquer. Nem deu tempo de alertar para fincar os chapéus. Afinal escoteiros
também amam? Amor é uma palavra que poucos ainda souberam explicar com
exatidão. Mas a felicidade não é a minha. A felicidade é a de quem achou um dia
ter encontrado uma razão para viver. Lourenço Malenkaia e Dorita Valverde
encontraram seu verdadeiro amor. Diferente do que muitos acham que vale a pena.
Que eles sejam felizes. É meu desejo sincero!
Nenhum comentário:
Postar um comentário