Lendas escoteiras.
A lenda de Sasquatch, o
lobo solitário da Montanha de Cristal.
Esta é uma história de um lobo, um lobo
solitário que nas madrugadas vagava pela Montanha de Cristal com seu uivo
sinistro como a pedir à ajuda que nunca teve. Dizem que ele chorava, que de
seus olhos negros sempre se via uma lágrima a cair. Não é uma história de um
final feliz. Disseram por aí e eu não posso afirmar que os lobos nas montanhas
andam em matilhas, o mais forte protege o mais fraco, mas quando ele está
Velho, sem condições de sobrevivência é deixado pelos demais e morre uivando de
fome sede e frio. Mas deixe-me contar a vocês a história de Sasquatch. Foi
Sandra quem o apelidou assim. Sandra foi outra que viu seu mundo desmoronar.
Mas não vamos avançar a história. Melhor narrar parte por parte para que vocês
conheçam melhor tudo que aconteceu com Sandra e Sasquatch, o lobo solitário da
Montanha de Cristal.
Sandra tinha
trinta e seis anos quando Otávio seu marido faleceu. Ficou mais de quatro anos
agonizando de hospital em hospital até que Deus o levou e quem sabe para
melhor. Sandra não chorou. Chorou sim quando soube que ele tinha uma grave
doença pulmonar e que não sobreviveria mais que um ano. Viveu quatro anos dos
mais felizes em sua vida com ele e o tratando com o maior carinho. A doença
consumiu tudo que tinham. Gastaram todas suas economias. Vendeu sua casinha que
compraram há muitos anos com muito sacrifício. Não tiveram filhos. Otávio já
doente no primeiro ano de casado resolveu assim. Seis meses depois da morte de
Otávio, Sandra ainda morava só. Uma irmã no nordeste escreveu para ela para ir morar
com ela. Sandra não quis e resolveu ficar. Sua tristeza quando chegava à noite
em casa do seu trabalho era enorme. Lia um livro, um programa de TV e ia dormir
sonhando com Otávio ao seu lado.
A vida de
Sandra era uma rotina. Foi Amélia sua colega de trabalho quem mudou tudo. –
Preciso de uma assistente. E você vai me ajudar disse. – Sandra riu e aceitou.
Quem sabe o Escotismo lhe daria um novo caminho? O tempo passou. Amélia casou e
saiu do Grupo. Sandra ficou em seu lugar. A Alcateia passou a ser um pouco sua
vida. Dedicava de corpo e alma aos seus lobinhos. Adorava os meninos e as
meninas. Fez curso, aprendeu muito em outras alcateias que visitou e acantonou.
Tonho e Marilda eram suas assistentes. Baloo e Bagheera. Os lobinhos e as
lobinhas tinham verdadeira adoração por eles. Sandra já não mais se sentia só.
O escotismo deu a ela nova motivação e uma filosofia de vida que ela nunca
esperava.
Tudo aconteceu
em julho. Anualmente sempre faziam um acantonamento no Rancho dos Grandes Amores.
Seu Ruan proprietário adorava os lobos e dizia sempre – Enquanto estiver vivo
aqui será um rancho de lobos! Atrás da casa sede tinha uma montanha. Linda.
Muitos bosques e uma nascente. Sandra quando ia ali ficava horas e horas a
olhar para ela. Chamavam-na de a Montanha de Cristal. Sandra não sabia por que,
mas no dia da viagem para o acantonamento bateu uma enorme saudade de Otávio.
Três anos sem ele e ela não entendia aquela melancolia, logo agora em um
acantonamento. Quem sabe por que ia só e os seus dois assistentes iriam à
noite. Duas mães foram juntas para ajudar na cozinha e limpeza diversas.
Chegaram, arrancharam, e logo começou as atividades. Iam ficar três dias.
À tarde do
primeiro dia enquanto os lobos arrumavam suas tralhas para a noite e o banho
Sandra como sempre olhava para a Montanha. Assustou quando avistou um Lobo
parado em uma pequena trilha olhando para ela. Não sabia o que fazer. Entrou
correndo na casa sede. Olhou pela janela. O lobo se afastava. Mancando. Notou
que sua perna direita estava quebrada. Sentiu pena dele. Sem perceber o chamou
de Sasquatch. Nada há ver com a história do homem de neve que contam por aí.
Ela saiu de novo da casa. O lobo parou e voltou. Ela notou seus olhos tristes.
Parecia que lagrimas caiam. Não era possível. Ela devia estar enganada. Lobo
não chora. Viu que ele se aproximou dela. Lambeu seus pés. Ela foi até a
cozinha. Cortou um pedaço da carne do almoço do outro dia e deu para ele. Ele
olhou para ela com os olhos húmidos e balançou a cabeça como a agradecer. Não
comeu a carne. Pegou entre os dentes e subiu a trilha que levava ao alto da
Montanha de Cristal.
Sandra acordou
várias vezes. Jurava ouvir uivos enormes. Acordou pela manhã e alguém uivava lá
fora. Era ele. Sasquatch. Sempre mancando. Sandra aproximou dele e ele deixou
que ela o acariciasse. Viu que a perna estava curta e tinha sinal de perfuração
de bala. Um caçador malvado só podia ser. Ela o olhou nos olhos, viu o brilho firme
a encará-la. Foi de novo buscar alimentação para ele. Ele ajoelhou e balançou a
cabeça. Deu um enorme uivo pegou a carne com os dentes e de novo seguiu a
trilha da montanha. Vários lobinhos viram o lobo, tentaram se aproximar, mas
ele mancando corria. Só com Sandra ele se deixava acariciar. Assim foram os
três dias. No último ele fez um sinal para ela. Parecia saber que ela ia
embora. Andava em direção à trilha, parava e olhava para trás. Sandra o seguiu.
Não andou muito e ele entrou em uma pequena caverna.
Sandra ficou com
medo de entrar lá. Por diversas vezes Sasquatch chegou à entrada e fez o sinal
para ela entrar. Resolveu segui-lo. O que viu foi de estarrecer. Dois lobinhos recém-nascidos
mortos e dois vivos entre a vida e a morte. Tinha carne junto deles, mas não
conseguiam comer de tão fracos. Olhou de novo para Sasquatch. Viu que ele era
um lobo macho. A femea devia ter morrido, mas ele não abandonou os lobinhos.
Filhos dele? Sandra não sabia o que fazer. Ele olhava para ela com carinho como
a pedir que o ajudasse. Ajudar como? Ela tinha de ir embora. Sentia enorme pena
dos lobinhos e sabiam que eles iam morrer. Fazer o que? Saiu da caverna. Olhou
para o céu e perguntou a Deus o que devia fazer. Viu em uma nuvem Otávio a
sorrir para ela. Era alucinação, ela não acreditava nisto. Resolveu voltar ao
Rancho. Olhou para trás, Sasquatch ajoelhado uivava. Um uivo dolorido, choroso,
e lágrimas caiam de seus olhos.
Sandra voltou. Colocou
os dois lobinhos no colo. Iria levá-los com ela. Não tinha outra saída. Desceu
com Sasquatch a acompanhando. O ônibus chegou e a lobada cantando tomou seus
lugares. Brincavam com os lobinhos que já estavam recuperando suas forças.
Sandra deu leite para eles que beberam sofregamente. Ao entrar no ônibus deu
uma última olhada em Sasquatch. Ele uivava e ela não sabia se de alegria ou
tristeza. Sabia que não podia levá-lo. Não tinha condições. O ônibus foi saindo
devagar pela estrada vermelha. Sasquatch tentou acompanhar, não conseguiu. Coxeava
muito. Sua perna quebrada não deixava. Uivou muito e Sandra ouvia chorando
baixinho. Quando o ônibus chegou à estrada asfaltada ele olhou pela ultima vez
a Montanha de Cristal. Parecia que uma luz brilhante pairava sobre ela. Mas viu
a figura novamente de Otávio sorrindo. Tranquilizou-se.
Dizem que durante
muitos anos Sandra cuidou dos dois lobos. Um ela chamou de Lobo Gris e o
outro... Sasquatch. Por onde andava os dois lindos e enormes lobos a acompanhavam.
Um de cada lado. Disseram-me que ela voltou muitas vezes a Montanha de Cristal.
Foi até a caverna onde os lobos nasceram. Levou Gris e Sasquatch e eles uivaram
por muito tempo como a lembrar de seu pai que deu a eles um grande carinho e
amor e porque não a vida. Ao retornar ouviu bem no alto da montanha um uivo
enorme. Sabia que era ele. Olhou para lá, não viu nada. Mas sentiu um calafrio.
Não era ele em vida, mas ali estava seu espirito como a agradecer o belo gesto
de Sandra. E posso garantir as mil e umas historias que um dia poderei contar,
Sandra viveu feliz para sempre na companhia dos dois lobos. Sei que ficaram
amigos para sempre! E contam até hoje que uma estrela brilhante paira todas as
luas cheias por cima da caverna da Montanha de Cristal.
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