Uma linda historia escoteira

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Era uma vez...

domingo, 13 de outubro de 2013

As névoas brancas do Rio Formoso.



Lendas escoteiras.
As névoas brancas do Rio Formoso.

O nada é a profecia da minha partida
o tudo é sopro que busca aquiescer
sou uma cor do arco-iris... Perdida
o lume solar na gota de chuva a correr
para beijar a névoa que deita escondida
a deleitar-se nos braços do amanhecer
Cellina


                      Faz muito, muito tempo quando a nossa Patrulha Sênior descobriu as lindas e espetaculares cachoeiras do Rio Formoso. Eram incrivelmente belas. Ainda sem rastros humanos. Pensei comigo que precisava acampar ali. Três quedas simultâneas, um som imperdível das cataratas caindo sobre as pedras e dando outro salto no espaço. Em volta uma floresta ainda inóspita. A névoa se formava a qualquer hora do dia. Uma visão fantástica. Quando vi pela primeira vez eu estava com meus quinze quase entrando nos dezesseis anos. Descobrimos por acaso. Uma jornada até o Serrado do Gavião onde existiam milhares de Folhas Secas. Um terreno vazio, sem árvores e muitas folhas. Era um mistério saber de onde vinham. Soubemos da história. Vamos lá disse o Romildo. Patrulha Sênior, cheia de ardor, procurando aventuras, vontade de enfrentar desafios e nada como descobrir. Está no sangue dos seniores.

                    O caminho iniciava na Mata do Tenente, famosa porque uma tropa do exército ficou vinte dias perdidos nela. Saíram com dificuldade, fracos e quase morreram. Bem, eles não eram escoteiros como nós. Risos. A mata não era um obstáculo e o rio também não. Dava para andar bem nas suas margens. Com quatro horas de viagem, vimos uma bruma cinza que se espraiava no ar. A mata parecia que estava em chamas. Que seria? O ribombar da cachoeira nos fez estremecer. Um espetáculo magnifico. Incrivelmente fantástico! A cachoeira formava redemoinhos no ar. Uma nuvem de vapor cobria certas partes da queda d’água. Os pássaros se deleitavam. Voavam de supimpa naqueles redemoinhos e saiam do outro lado molhados como se estivessem sorrindo. Não entendemos o porquê da névoa. O Rio Formoso era todo formado por quedas de diversos tamanhos e na falta delas, as corredeiras davam outro brilho aquele magnífico rio. Quem o batizou deveria ter sonhado muito com coisas belas, pois o Rio era formoso e um grande espetáculo.

                    Pretendíamos chegar ao Serrado do Gavião ainda naquela tarde e se não parássemos nossa jornada seria cumprida. No entanto o espetáculo a cachoeira nos hipnotizava. Sentamos numa pedra próxima e os barulhos das quedas d’água eram tão intensos que mal dava para conversarmos. O ribombar das águas batendo nas pedras eram imensos.  Romildo levantou e fez o sinal. Mochilas as costas. Fomos em frente. Com tristeza, pois sabíamos que na volta o caminho não seria o mesmo. Voltaríamos pela Mata do Peixoto já conhecida. Subimos as pedras, olhamos novamente, pois íamos embrenhar na mata longe do Rio Formoso. Impossível prosseguir. Aquela cachoeira nos hipnotizou. Parecia dizer para nós que não podíamos deixá-la sozinha na noite que estava por vir. Paramos. Um círculo de seis seniores se formou. Ir ou parar? Seis votos a favor, nenhum contra. Todos escolheram e Romildo aceitou. Escolhemos um local próximo à primeira queda para pernoitar. Não armamos barracas. Iriamos dormir sob as estrelas em pedras lisas que as enchentes do Rio Formoso nos reservaram. Sem sinal de chuva. “Vermelho ao sol por, delicia do pastor”. A noite chegou um jantarzinho gostoso foi servido pelo nosso cozinheiro Fumanchu. Comemos ali mesmo olhando para as quedas no lusco fusco da tarde. Um espetáculo maravilhoso. Era uma visão dos Deuses.

                   Ficamos horas e horas sem conversar. O barulho era imenso. Cada um de nós meditava as maravilhas que nos são reservadas pelo Mestre. A noite chegou de mansinho, o espetáculo maior ainda estava por vir. Uma bruma em forma de nevoa branca foi tomando conta onde estávamos e penetrando na mata calmamente. Ainda mudos. Cada um olhando. Aqui e ali um canto de um gavião procurando seu ninho. Israel acendeu um fogo. Pequeno. As chamas se misturavam com a névoa branca. Raios vermelhos das chamas ultrapassaram a nevoa. Que espetáculo! Um céu colorido como se fossem milhares de arco íris noturnos. Ninguém queria falar. Ninguém falou em dormir. Não sei quanto tempo ali ficamos. Estávamos como encantados por uma feiticeira perdida no tempo naquela névoa e esquecidos de quem éramos.

                   Acordei de madrugada. Amanhecendo. O rosto molhado com o orvalho que caia da bruma branca que nos fez companhia toda a noite. Cada um foi levantando. Arrumamos nossa tralha. Comemos uns biscoitos de polvilho. Olhamos pela última vez aquelas quedas que nos levou sem saber a um paraíso perdido daquele rio que chamavam de Formoso. Calados e mochilas as costas nos pomos em marcha. Alguém olhou para trás, a névoa branca se dissipava. Deu para ver centenas de pássaros se molhando nos respingos da cascata imensa. Durante horas ninguém falou. Sempre olhando para trás. Somente o pequeno trovejar ainda se ouvia das quedas que já haviam desaparecido no horizonte. Nunca mais voltei lá. Ninguém de nós voltou. Passaram uma cerca de “arame farpado” em tudo. O homem só o homem resolvia quem entra e quem sai. Já não havia mais a natureza, pois foi substituída pelos desmandos do ser humano. Aquele que mesmo chegando depois dela, diz arrogantemente: “sou o dono da terra, dono da natureza”.

Quanto ao Serrado do Gavião é outra historia. Não deixou tantas saudades como a Névoa branca do Rio Formoso, mas valeu. 

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