Lembranças de um "Velho" Escoteiro.
Era uma vez... No carnaval.
Faz tempo. E
quanto tempo! Nunca fui de “pular” o carnaval. Sempre aproveitei seus dias de
folia para acampar. Houve um carnaval que não esqueci. Carnaval acampando.
Misturado. Sacrificado. Corrido. Mas que valeu e valeu mesmo. Melhor contar
como foi. – Chefe de Tropa, lá pelos anos de 1960, nosso programa marcava um
acampamento de tropa em Vale Feliz. Menos de cem quilômetros da nossa cidade,
mas sem estradas a não ser as vicinais. Mesmo assim elas eram interrompidas
pelas corredeiras do Rio Doce. Chegar lá
só de trem. Acampei lá uns quatro anos antes. Descíamos na estação e menos de
doze quilômetros chegávamos. Na discussão da Corte de Honra eles fizeram planos
e planos para este acampamento.
Seria um
programa sui-generis. Um grande jogo que iria virar uma noite inteira atrás da
Caveira do Ouro. Fazer uma “caçada” das Galinhas D’Angola selvagens. Outra
época. Valia o aprendizado. Isto sem contar levar água até o centro do
acampamento por bambus gigantes. Mais de trezentos metros de distancia.
Soubemos que as Emas selvagens eram ariscas. Tentar achar sua pista e tirar uma
pena foi outro jogo bolado. Os Monitores não saiam de minha casa. Sempre uma
ideia nova. Chefe Jessé conseguiu passagens ida e volta. Levaríamos três
carrocinhas no vagão de bagagem. Ração B. Na mochila e no bornal trazida de
casa. Taxa zero!
Uma semana
antes tudo preparado. As quatro patrulhas vibrando. Fizemos outros, mas este
tinha o dedo delas no programa em quase tudo. Estava em casa pela manhã quando
parou um veículo na porta. Inusitado. Não tinha amigos com carros e poucos na
cidade tinham. Só os bem de vida. Vi que era o Senhor Romualdo. Presidente do Ilusão
Esporte Clube. Caramba! O que pretendia na minha casa? Sabia que não me
conhecia, nunca me cumprimentou, mas fui até o portão de madeira e ele deu um
belo sorriso. Fiquei na defensiva. – Meu jovem Escoteiro, preciso de você! Eu?
Você mesmo! Deve estar sabendo que no desfile do carnaval a luta pelo primeiro
lugar vai ser difícil. Agora para piorar tudo, o homem contratado da capital
para tocar o clarim no desfile adoeceu. Não pode mais estar presente.
Pisquei um
olho, depois outro. Não disse o celebre – “E dai?” nada disto. Deixei-o
continuar. – Conto com você nos três dias. Sábado, domingo e segunda. Sei que
você tocou por muito tempo corneta e clarim. É o único na cidade que poderá nos
salvar. Tocar só no desfile. Menos de uma hora por dia. Fizemos este ano um
gasto enorme com a apresentação de Nero, aquele que botou fogo em Roma! Sem o
clarim para anunciar o desfile e a entrada de Nero tudo perderá o valor. Estou
disposto a lhe pagar o mesmo do moço da capital. Mil reais. “E agora José”.
Expliquei não ser possível. Falei dos meninos dos seus sonhos e não podia
faltar. Ele insistiu. Sumiu para dois mil e chegou aos cinco mil! Incrível! A
quantia ajudaria muito ao meu pai doente na capital. Seria uma salvação que
ninguém esperava.
Tinha que
montar um plano. Não tinha assistentes. Tinha sim bons Monitores, mas não
poderia ficar de fora com a programação que eles tanto lutaram para fazer.
Conversei com os monitores. Aceitaram meu plano. Vir de trem e voltar não dava.
Eram dois por dia um cedo e um a noite. Sem condições. Falei com o Chefe Jessé.
Preciso levar minha bicicleta no trem. Falei com seu Romualdo. Preciso de
quinhentos adiantado. Ele coçou a cabeça. Tudo bem. Conto com você e sei que
vocês tem palavra. Viajamos na sexta. O retorno marcado para quarta. Uma hora e
meia de viagem. Chegando fui direito na casa do barqueiro. Preciso atravessar o
rio seis vezes em três dias em horários impróprios. Pago a você cinquenta por
viagem. Ele riu e aceitou na hora.
Não foi
fácil. Às seis e meia corria para o rio com a bicicleta. Atravessa na canoa e
aprontava uma correria nas estradas vicinais até minha cidade. O desfile
começava as dez. Minha fantasia de Trombeteiro do Rei (que vergonha meu Deus
para vestir) levava no bornal. Às onze e meia terminava. Mandava-me pela
estrada até o local combinado com o barqueiro. Sempre entre uma e duas da manhã
chegava. Foi um acampamento que marcou. Ninguém reclamou quando não estava
presente de seis da tarde até duas da manhã. Duzentos quilômetros ida e volta
dirigindo uma bicicleta feito um louco em estradas vicinais. No quarto dia
desmaiei de sono. Dormi até meio dia. Nonato um Monitor me acordou. – Chefe,
não se preocupe. Tocamos tudo. Reunimos os Monitores e combinámos ajudá-lo no
programa.
Falar o que?
Nada. Monitores são Monitores. Nosso orgulho. Mas acampei e fui um Trombeteiro
do Rei. Toquei como nunca. Dei belas risadas. Fui pessoalmente uma semana
depois à capital levar o dinheiro para meu pai. Estava com diabete. Ninguém
conhecia esta doença na época em minha cidade. Mas valeu tudo que fiz. As
noites mal dormidas. Andar a toda em estradinhas de terra correndo feito um
maluco. Escotismo! O que você nos deixou como legado acho que nenhuma outra
associação deixaria. Foi bom viver intensamente o escotismo. Outra época. Outra
vida. Mas daria tudo para voltar de novo ao passado e fazer tudo de novo!
Sempre Alerta e bom carnaval para quem gosta!