Uma linda historia escoteira

Uma linda historia escoteira
Era uma vez...

quinta-feira, 28 de março de 2013

Lendas escoteiras. A Árvore dos esquecidos.



Lendas escoteiras.
A Árvore dos esquecidos.

                          Ela sempre esteve ali, na curva do Gavião Vermelho bem próximo as corredeiras do riacho Alegre onde sempre íamos acampar. Era uma linda árvore, pena que não a identifiquei. Eu esquecia dela sempre, pois muitas vezes só valorizamos os que estão ao nosso lado e esquecemos dos outros que um dia fizeram tudo por nós. De vez em quando ela me vinha à mente. Não me pergunte seu nome. Não sei. Sabia que era frondosa, pois em sua volta sempre havia uma enorme sombra e nós escoteiros ali nos deliciávamos com o frescor que ele produzia para aqueles que se deliciavam como nós. Da cidade até a Porteira do Rancho Estrela Verde era mais de seis quilômetros. Interessante, nunca fiquei sabendo o nome do dono do rancho.

                         A porteira era sempre esperada na jornada ou nas caminhadas. Grande, enorme, parecia nova e o vai e vem sensacional. Passávamos para o outro lado com a carrocinha e lá a deixávamos. Todos voltavam e se encarapitavam na porteira. Um de nós a levava até o barranco e soltava. Ela saia a toda velocidade passava pelos dois troncos centrais, ia ao outro lado, voltava e ficava assim quatro ou cinco vezes em um delicioso movimento de vai e vem. Nunca apareceu ninguém para nos chamar a atenção. Quando o sol ia a pino era hora de partir. Na volta sairíamos mais cedo para nos divertir na Porteira do Racho Estrela Verde. A partida era sempre triste, todos olhavam para ela com saudades.

                       Era hora da subida. Deus do céu! Era o pior da jornada. Quando da primeira curva já avistávamos a Arvore dos Esquecidos. Porque este nome? Quem batizou? Ninguém sabia. Meia hora depois lá estávamos. Ainda bem. O suor escorrendo no pescoço e na testa. Agora era hora de tirar uma soneca e aproveitar a brisa gostosa que a Árvore dos Esquecidos fazia questão de nos presentear. Era a única naquela subida. Claro havia alguns arbustos, mas ela era sensacional. Meia hora de cochilo. Acordamos com o barulho dos trovões. Olhamos para o céu e vimos nuvens negras bem no rumo do nosso destino. Pé na taboa e Deus que nos ajude. Nem despedimos da Árvore dos Esquecidos. Deveríamos, mas que ia adivinhar?

                       Não foi difícil montar o acampamento debaixo do temporal. Estávamos acostumados. O local era ótimo. Centenas de coqueiros anões. As folhas serviam como toldo e até a noite duas barracas montadas, mesa, toldo, bancos e quase terminado o fogão suspenso. Alguns já rachavam lenha, pois sabíamos que no meio estavam secas. A sopa esquentou o estomago e o corpo. Melhor não fazer fogueira. Tínhamos pouca lenha rachada e seca. Fomos dormir naquele primeiro dia mais cedo. Foram três dias acampados, sempre com uma chuva miúda. Algum programa não deu para fazer. No domingo levantamos acampamento às duas da tarde. Sem dificuldade. Três e meia à bandeira descia do mastro. Uma oração e lá fomos nós estrada acima.

                      A subida da volta não era tão íngreme. Ao dar a volta no morro, vimos ao longe a Arvore dos Esquecidos. Árvore? Não existia nenhuma árvore. O que houve? Ficamos preocupados. Mais meia hora e chegamos. Uma cena dantesca. A Árvore jazia a seis metros de onde deveria estar caída. Um raio a cortou no tronco bem próximo ao chão. Ela ainda estava verde, as folhas balançavam, mas estava agonizante. Não havia retorno. Não podíamos fazer nada. Ficamos em volta dela. Muitos choravam. E agora? Como tirar aquela soneca gostosa da subida até a curva do Gavião Vermelho? Ficamos ali por muito tempo. Em silencio. Prestando a nossa homenagem a uma Arvore que agora sabíamos que era dos esquecidos. Todos nós um dia iríamos nos esquecer de sua beleza, de sua sombra do seu orvalho.

                      A tarde chegou, hora de partir. O ultimo adeus. O sol inclemente do outro dia iria fazer com que ela desse seu último suspiro. As folhas iam secar os troncos também. Agora nós sabíamos que algum mateiro a passar por ali, iria se servir de troncos e galhos para fogo. Triste destino. Partimos em silêncio. Na Porteira do Rancho da Estrela Verde não nos divertimos como fazíamos sempre. Passamos direto. Não havia ânimo. Estávamos cabisbaixos, tristes, perdemos uma amiga que nem sequer nos lembrávamos sempre. Mas ela eu sei que ficou marcada para sempre no coração de todos.

                  Nunca mais voltamos lá. Nunca mais acampamos no Rancho da Estrela Verde. Nunca mais vimos à porteira da felicidade. Seria difícil muito difícil suportar a subida até a curva do Gavião Vermelho. Onde sempre avistamos com alegria e agora não mais existia, aquela que ficou na lembrança para sempre. A Árvore dos Esquecidos. 

quarta-feira, 27 de março de 2013

Conversa ao pé do fogo. O show de Truman.



Conversa ao pé do fogo.
O show de Truman.
                     
                    Um show para ninguém botar defeito. Ah! Desculpem não é um reality show. Nosso amigo Truman que serviu para divertir milhões de pessoas em todo o mundo aqui é irreal. Quem sabe só ver até que ponto escondemos de nós mesmos as verdades que ninguém gostaria de ver. Seria a desilusão do show? Pode ser. A realidade para uns se apresenta como um verdadeiro show da vida. Para outros uma ilusão da realidade. A felicidade é esta? Perguntam-me. Sim. Você mesmo pode ver a câmara 2 – Ela focaliza um lindo sorriso de um jovem bem uniformizado. Quer maior felicidade? Parecem emoções reais não? Veja a câmara 1 – Centenas de jovens a sorrir em uma atividade qualquer. Ei? E a câmara 5? – Ela não mostra aquele jovem que sonha em ir à atividade nacional e não pode? Ora era só quinhentos e poucos reais. Quem mandou ser pobre? Corta!

                    Não podemos perder nada deste show. Que tal aquela Chefe que foi defenestrada da tropa porque não aceitou as imposições do seu dirigente do grupo? Valeu seu tempo a frente da tropa? Valeu seus filhos praticantes do show? Democracia? Corta! Câmara 9 tente pegar um ângulo melhor na chegada dos jovens a Aventura Nacional. Este sim é um momento sem igual. Câmara 11 não esqueça, vá de leve à imagem do dirigente sorrindo como a dizer que a felicidade dos jovens também é a dele! Camaramen seja prudente, nossa imagem tem que ser mostrada como realidade. Ela não é um nunca foi uma ilusão ou será que é? Câmara 13! Que isto? Corta já. Ninguém quer ver a imagem da escoteira sendo suspensa por 90 dias! Ainda mais que seus pais não foram comunicados!

                      Isto mesmo câmara 15. Mostre o nosso novo blog. Lá está escrito as belezas de um Chefe obediente, bem formado. Quem está nos assistindo sabe que a seriedade é nosso lema. Não é isto câmara 18! De novo? Deixe este Chefe reclamão que diz ter 33 anos de atividade desiludido a dizer que vai sair. E daí? Quem se interessa? Deixe que ele se vá. Não precisamos dele! Tantos já se foram e ninguém incomodou. Muito bem câmara 20. Pegue bem o novo relatório de 2012. Ele mostra nossa pujança. Só crescendo. Temos que mostrar por imagens que a ilusão é acreditar que somos o que mostramos no show. Produção! Mande embora o câmaramen da 23. Já disse para ele não filmar estes chefes “pedintes” de relatórios de atividades nacionais? Onde já se viu querer ver o balanço financeiro de tudo? – Melhor assim câmara 28, agora melhorou. Pegue bem a imagem dos novos dirigentes eleitos daquele estado. Isto vai mostrar a todos que temos democracia!

                      Aprendam todos participantes deste show. A distinção entre o passado, presente e futuro é apenas uma ilusão teimosamente persistente. Não foi o que disse o Einstein? Portanto temos que mostrar as coisas boas. E só temos boas, pois os que dizem que temos ruim devem ser defestrados e jogados para debaixo do tapete. Ética para eles e louvores para nós. – Isto mesmo câmara 31. Um close em mim! Obrigado. Eu mereço. Mas não digam que os formadores no Brasil praticamente decidem tudo! Nada disto. Mentira pura! Pare por favor, câmara 34. Corta! Ninguém quer saber se foi eleito a situação ou oposição. Isto não existe entre nós! Importa o show. O show da felicidade.

                      E o show não para. Nem tudo foi mostrado ao vivo como o de Truman. Já pensou? 24 horas no ar? E nós? Também temos nosso show? O show dos desiludidos, dos injustiçados, dos desprezados, que show eim? Mas isto não importa, já dizia Cesar em Roma que o povo quer pão e circo. Neste show ele é dado em forma de imagens. Sempre positivas. As negativas? Escondem-se. A menina suspensa, o Chefe expulso, a Chefe defenestrada, o antigo desiludido, a situação no poder, a doce ilusão da corte, de ser mais um da casta. Pois é. Foi Goethe quem disse que o maior problema de toda a arte é produzir, por meio de aparência, a ilusão de uma realidade grandiosa? Luz! Câmara! Ação! No ar... A maior organização de todos os tempos! 

O povo nunca é humanitário. O que há de mais fundamental na criatura do povo é a atenção estreita aos seus interesses, e a exclusão cuidadosa, praticada sempre que possível, dos interesses alheios.

terça-feira, 26 de março de 2013

Histórias de Fogo de Conselho. A Morada do Fantasma.



Histórias de Fogo de Conselho.
A Morada do Fantasma.

Os monitores escolheram um local próximo a uma pequena mata, onde existia uma casa abandonada e todos concordaram. Ficava a uns 400 metros do acampamento. A Patrulha de serviço não perdeu tempo. Logo que chegaram ela preparou o fogo dentro dos padrões técnicos para evitar incêndios e tinha que ser ascendida com no máximo dois palitos de fósforos. Se não conseguissem, outra patrulha assumiria o que dificilmente acontecia.

 Não havia um “Animador de Fogo de Conselho”. Este iria surgir naturalmente no desenrolar da noite. Qualquer programa escrito estava fora de cogitação. Não iriam se prender a um roteiro, pois ali, naquela noite e em todas às outras a participação era completa. Sabiam o que queriam e iriam fazer conforme a Tradição de Tropa. Se havia uma coisa que detestavam, era o tal Lampião do Conselho. Dava até vontade de rir do tal Lampião. Diziam que um bom mateiro ascende o fogo em qualquer tempo e em qualquer lugar! Eu acreditava, pois o adestramento da tropa sempre foi um dos melhores.  Enquanto isto os demais não se afastavam muito, pois a escuridão da noite e o lugar davam calafrios. (não havia luar)

Todos foram chamados e se assentaram a bel prazer, enquanto um Escoteiro ascendia o fogo. Nesta hora, ficaram de pé, e como tradição antiga  invocaram os Espíritos dos Ventos e a viva voz, cantaram a Canção do Fogo de Conselho. Cantavam com gosto. Às chamas já se esticavam aos céus quando terminaram. Ouviram alguém bater palmas. Não eram eles. Se havia alguém escondido para amedrontar não seria com aquela Tropa. Um dos chefes deu uma busca em volta da casa e dentro dela. Nada.

Continuaram. Logo uma Patrulha imitava outra quando da enchente (no primeiro dia uma forte chuva encheu as barracas de lama). Surgiram palmas escoteiras inventadas na hora. Uma parada para conversa, um chocolate quente, uma mordida num biscoito. Conversas paralelas. Alguém alimenta o fogo, um dedilha o violão e outro começa a cantar. Alguns acompanham dois se encaminham para o centro da arena e começam a representar um Chefe e um Monitor. Risadas, palmas.

Pedem um jogo, um Monitor se oferece para fazer um novo, aprendido em outra atividade. Um grito. Não muito alto. A tropa se cala. É brincadeira de alguém. Eles aceitam a participação do “Fantasma”. Vai quebrar a cara pensam. Não foi a primeira vez. Ouvem outras em outros acampamentos. Agora não seriam surpreendidos. Continuam às canções, improvisações, batem papos, jogos e até um pequeno Adestramento de primeiros socorros. Não faltou o Contador de Histórias, e nessa o monitor mais antigo  se destacava.  Era assim o fogo da Tropa.

Às brasas começaram a aparecer. A lenha foi terminando e todos demonstravam sono. Uma boca abre aqui, outra ali. A noite avançou sem ninguém perceber. Um Chefe convida a todos para encerrarem com a Cadeia da Fraternidade. Começam a cantar e param. Todos olham para dentro da casa e vêem uma luz azul brilhante. Ficam estáticos. Alguns vão até lá e dentro da casa não há luz! - Já existem tremedeiras. Sem falar voltam para o acampamento. Ninguém quer ir à frente nem ficar atrás. Dormiram encostados uns nos outros mesmo com a chefia alegrando e encorajando todos. 

No dia seguinte, após o desarme do campo, na cerimônia da Bandeira, um morador das proximidades estava presente assistindo de longe. Um Chefe o convidou para participar na ferradura. Ele veio sem jeito e ali permaneceu até o final. Uma rodinha se formou em redor dele, e ficaram sabendo a historia da “Morada do Fantasma”:

- A casa foi construída pôr um jovem, - dizia -  filho de um “meeiro” (usa a terra de uma fazenda para plantar, e paga parte da colheita ao dono) quando se casou. Com menos de quatro meses, ele matou a mulher porque achou que esta o traia. Não era verdade. Foi preso e condenado há vários anos de prisão. Ninguém sabe onde está e quando vai sair da cadeia. O que todos sabem é que o espírito ou “fantasma” da mulher não abandonou a casa e até hoje e a mantém limpa e arrumada, mesmo sem móveis sem nada. Um padre já benzeu a casa, mas ela não sai de lá.

domingo, 24 de março de 2013

Pigmor, o castor manco do lago Grande Urso.




Só existe uma coisa importante em nossas vidas: viver a nossa lenda pessoal,
a missão que nos foi destinada. Mas sempre terminamos nos sobrecarregando
de ocupações inúteis, que acabam por destruir nossos sonhos (Maktub).

Lendas escoteiras.
Pigmor, o castor manco do lago Grande Urso.

“Terra do belo Olmeiro, lar do castor,
Lá onde o alce airoso, é Senhor,
Em um lago azul rochoso, eu voltarei de novo”!

                Era uma linda tarde de outono, mas Lisabel estava cansada. Afinal não era para menos. Quinze lobinhos ali soltos naquele sitio e só ela como responsável daria dor de cabeça em qualquer um. Lorraine e Javier na última hora disseram que só poderiam chegar no sábado à noite. Desmarcar o Acantonamento era impossível. Tudo tinha sido preparado. E lá foi Lisabel a enfrentar o desafio. Chegaram e logo arrancharam no Sitio Mimoso. Quinze lobos? Meu Deus, agora pareciam cem! Lisabel gritava chamando e logo eles corriam para todo lado. Conseguiu uma árvore próxima a casa e lá arvorou a Bandeira Nacional. Tinha no programa um estoque de jogos, brincadeiras, canções tudo que uma boa atividade deste porte requer. Mas não estava sendo fácil. Não mesmo. Ainda bem que dona Mercês mãe do Gustavo foi para a cozinha. Ela dava mais trabalho que seu filho. Queria ficar junto dele para protegê-lo, enfim uma mãe super-protetora.

              Após o almoço Lisabel reuniu os lobos e foram até próximo a um pequeno lago, e ao pé de um lindo Cajueiro, sentaram. Os lobinhos inquietos. Alguma coisa fazia ondas sobre as águas do lago. Lisabel não acreditou. Era um castor que logo mergulhou. Isto mesmo. Só se o proprietário do sitio o tivesse levado. Não havia no Brasil. Ela começou a cantar com eles uma canção. “A promessa de Mowgly”. Fizeram um jogo de faz de conta. Viu que a tarde se aproximava. Ainda bem. Logo seus assistentes chegariam e ela poderia descansar. Uma forte dor de cabeça. Os lobos sentaram em sua volta. Ia começar a contar uma história. Não lembrava. Assustou-se ao olhar novamente para o lago, parecia emergir de dentro das águas um velho com um chapéu e uma indumentária típica dos grandes caçadores de peles do passado. Um verdadeiro Mountain Men, ou melhor, um homem da montanha! Sorria, deu um olá simpático, chamou a atenção dos lobos. Eram seis meninas e nove meninos.

               - Sabem! Disse ele. Faz tempo que não vejo um Cub Scout. Quantas saudades! – O que é um CubScout logo perguntou uma lobinha. – Meninos lobinhos como vocês. – Lisabel ficou impressionada e assustada com ele. Uma figura imponente. Um cajado lindo. – Posso? Ele perguntou a Lisabel se poderia sentar com eles ali. – Claro que sim ela respondeu. – Por acaso viram um castorzinho deslizando há poucos instantes sobre o lago? Não? Vocês já ouviram falar de Pigmor, o castor manco do lago Grande Urso? – Também não? - Não Senhor responderam todos. - Querem conhecer sua história? Palmas e gritos. A lobada gostava de uma boa historia. – Bem vou contar, mas é uma historia triste, muito triste. Faz tempo, muito tempo quando conheci o John, ou melhor, o John Colter. Um pioneiro e um dos primeiros caçadores de pele a ser chamado de “homem da montanha”. Ficamos amigos em St. Louis uma cidade americana, lá pelos idos de 1807. Com ele fizemos uma serie de expedições até o rio Missouri para caçar castores e tirar suas peles.

               Os lobinhos assustaram-se. – Calma, foi em um passado muito distante. Nós vivíamos disto. Chegamos até a montar uma empresa de nome Rocky Mountan Fur só para vender as peles que conseguíamos caçar. - Mas vamos ao que interessa. Eu e o velho John rodamos meio mundo. Das Montanhas Rochosas até os grandes lagos de Michigan, Huron, Erie e Ontário. Diziam que eu e o John só caçávamos peles dos castores, mas não era verdade. Amávamos explorar o Velho Oeste americano. Nunca esqueci quando conheci Pigmor, o castor manco. Para ser sincero eu e o meu amigo chegamos às margens do Lago Grande Urso numa tarde de novembro. Eu nunca tinha ido ali e nem ele. O frio intenso, pois nevava a mais de seis dias. Montamos uma pequena cabana e quando ascendi o fogo vi um castozinho chegando e mancando. Assustei, pois sabia que eram ariscos e não se aproximavam. Sabia que ele e seus companheiros formavam uma colônia deviam ter um dique no fundo do lago. Nunca andavam sozinhos. Nós sabíamos que enquanto não passasse a nevasca nunca poderíamos caçá-los.

              - Olhei para o John e disse rindo: Não parece o Pigmor aquele velho caçador de ouro que morreu em Blue River Valley? Coitado. Achou que a riqueza fácil seria dele ali na região das Montanhas Rochosas. Morreu abraçado a um grande urso que encontrou na caverna do Mandor. Belas lembranças da famosa corrida do ouro em Breckenridge. Mas voltemos a historia. Vi que vocês querem saber tudo! Pigmor chegou até próximo ao fogo. Achamos ele diferente. Logo batizamos com o nome do meu amigo já falecido. Eu e o John ficamos calados. Não valia a pena dar um tiro ou mesmo matá-lo com um facão. Era raquítico, pequeno e descarnado. Seus olhos pareciam vermelhos e sentia que chorava por dentro. Ficou ali horas aproveitando o calor do fogo. Foi quando levamos o maior susto. Pigmor de cabeça baixa, deitado bem próximo à fogueira soluçou várias vezes. Começou a contar uma historia estranha. Isto mesmo, Pigmor estava falando. Como não sei. Castor falante? Nunca ouvi falar.

              Lisabel não estava acreditando no que via. Um velho curtido, uma capa estranha, botas de pele de urso, um lenço azul amarrado ao pescoço e um boné de peles de castores, de cócoras no meio do circulo, contava aquela história de uma maneira tão linda que até ela mesmo estava sendo encantada pelas palavras daquele velho caçador de peles. Notou que em nenhum momento os lobinhos tiravam os olhos dele. Sua dor de cabeça e seu cansaço havia desaparecido. – O Velho caçador continuou – Isto mesmo. Pigmor contava uma história muito triste, que aconteceu uma semana antes. Ainda não estava nevando e ele e seus irmãos da Colônia tinham terminado o dique onde iriam passar o inverno e aconteceu uma matança. Dois homens chegaram atirando. Pigmor correu para uns arbustos, mas levou um tiro na perna direita. Seu pai e sua mãe morreram na hora. Viu que somente Nakim, Molevo, Pariá e Jasmiel tinham se salvado pulando nas águas geladas do lago. Os dois homens jogaram uma banana de dinamite e quase destruíram o dique. Os quatro castores escondidos lá ficaram presos.

                  - Pigmor levantou a cabeça e me olhou dentro dos meus olhos. Depois olhou para John e continuou – Mergulhei até lá, estavam presos em uma toca sem poder sair. Tentei tudo. Jasmiel a Castora que seria minha esposa estava quase morta. Não sabia o que fazer. Melhor morrer com eles. Subi a tona e vi vocês. Acreditei que iam atirar em mim. Podem atirar. Eles irão morrer e eu quero morrer com eles. Iremos nos encontrar nas Grandes Tocas do Navarra onde se encontram os nossos ancestrais. – Pigmor se calou. Só ouvia soluços. Olhem não sei o que deu em meu amigo John. Não sabia que ele um dia poderia gostar de bichos, animais, ou seja, lá o que for. Mas mesmo naquela nevasca, escuro feito breu, o frio de rachar ele tirou a roupa e mergulhou nas águas profundas do lago. Passaram-se segundos e minutos. Nada do John vir à tona. “Diabos” pensei, será que ele morreu? A água estava um gelo! – Eis que os primeiros castores apareceram e logo em seguida o John com um castor no colo que julguei ser Jasmiel, a namorada de Pigmor.

                       Todos eles correram para a beira do fogo. Olhe eu juro pelas barbas do Coyote mais arisco de Yellowstone, pelas corcundas de um Bufallo das pradarias próximas a Little Bighorn em Montana que é verdade. Ficaram dois dias conosco. Pigmor e os seus irmãos mergulhavam de vez em quando para consertar sua toca no dique do lago. Uma semana depois Pigmor deu adeus. Hora de partir. Mergulharam na água do lago Grande Urso e sumiram. Nunca mais voltei lá. Disse ao John que minha vida de caçador peles e de castores tinha se encerrado ali. Ele nada disse. Juntamos nossas tralhas e partimos. Sabíamos que no então Território do Dakota seria feita uma grande corrida do ouro. Em Montana, Arizona, Nevada e Colorado só se falava nisso. Milhares de garimpeiros acorreram. Acampamentos e cidades mineiras surgiam da noite para o dia. Fomos para Black HIlls e ficamos ricos. Um dia John se desentendeu com um fora da lei. Morreu em um duelo em Virginia City. Eu resolvi fazer uma cabana nas montanhas e passar lá o resto de minha vida. Tropecei em um lago ao sul de Sonora. Vi um castor manco. Seria Pigmor? O levei comigo. Estamos juntos até hoje.

                           Ninguém falava nada. Lisabel viu que o velho caçador se levantou, deu um leve sorriso e disse adeus. Foi em direção ao lago. Andando sobre as águas todos notaram cinco castores nadando ao seu lado. Em segundos despareceram no fundo daquele pequeno lago do Sitio Mimoso. Um barulho de carro. Deviam ser Lorraine e Javier chegando. Eles adoravam os lobos. Um grito: - Lobo, lobo, lobo? E os lobinhos como a acreditar que outra linda história estava programada para eles, correram em direção ao Balu e a Bagheera. Lisabel ficou ali. Olhando para as águas do lago, que agora já noitinha uma bruma cinza se espalhava por sobre as águas. – Eu sonhei? Pensou Lisabel. Se sonhei os lobos também sonharam. Mas não é bom sonhar? Com terras altas, montanhas geladas, picos altos e longínquos, grandes lagos, é bom sonhar sonhos como este. Gostaria de ter conhecido Pigmor o castor manco do lago Grande Urso. mas...

“Tenho saudades daqui, destas campinas...
Ao norte eu voltarei, para as colinas,
Em um lago azul rochoso eu voltarei de novo”!


Como na lenda da Águia, que arranca suas penas e bico pra renascer como uma Fênix das cinzas, eu gostaria de perder a memória, me desfazer dos paradigmas, das inseguranças e medos, me perder em mim mesmo e começar do zero! Já que não é possível voltar no tempo, que Deus me de a dádiva do esquecimento.