Uma linda historia escoteira

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Era uma vez...

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Fuligem, o meu cinto Escoteiro brincalhão.



Lendas escoteiras.
Fuligem, o meu cinto Escoteiro brincalhão.

           Nem vem que não tem. – Não tem o que Fuligem? – ele me olhava com aquela cara de “besta” que eu conhecia há muitos e muito anos. – Pode tirar o cavalinho da chuva. Não vou para a reunião com você hoje nem que a vaca tussa! – O que é que eu fiz Fuligem? – O que fez? Só um paspalho escoteiro como você faz uma pergunta desta. Seja homem meu caro. Aceite que você é um idiota! – Fiquei a olhar o Fuligem. Nem sabia ao certo quando ele falava sério ou estava-me gosando. Pensei com meus botões o que tinha feito. Olhei bem para fuligem. Estava limpo. Na quarta usei metade da pasta Kolynos para fazer a melhor limpeza que tinha feito. O couro estava perfeito. O que ele queria agora? – Olhei para ele e o “pestilento” começou a rir. – Fuligem! São quase uma hora, você sabe que não gosto de chegar atrasado! Tá bem! Desta vez eu vou, mas na próxima se não engraxar o sapato não conte comigo. Só ando com Escoteiros que se orgulham do uniforme!

          Sempre foi assim. Desde que comprei o Fuligem na loja da capital pelo correio. Eu tinha um ano de promessa e custei a juntar o dinheiro para comprá-lo. Assim foi como meu chapéu de três bicos, com meu bastão de ponteira de aço, com meu cantil francês, com meu canivete suíço e com minha faca mundial. Meu uniforme e lenço mamãe fazia, mas o resto eu ralava para comprar. Engraxando sapatos, limpando quintais, ajudando seu Manezinho no Armazém fazendo entregas. Olhei para meu Vulcabrás e ele não estava sujo. Não o engraxei na semana, achei que não precisava. Fuligem não perdoava. Ele gostava de massacrar. Não esqueço o dia que fui para a sede, já nos meus treze anos e ao passar na vendinha do Seu Nestor para comprar balas de hortelãs um freguês dele olhou minhas pernas e disse – Lindas! Se você fosse uma moça a gente ia conversar! Fuligem virou bicho. Tire-me logo e dê uma surra neste filho da mãe! - Não Fuligem é o Vadico meu amigo de escola.

          E quando mamãe fez um uniforme novo? As passadeiras ficaram estreitas. Ele não conseguia passar. – Meu pai do céu! Ele dizia. Nesta casa só tem Jerico ou Asno? Tal mãe tal filho? Naquele dia fechei a cara para ele. Ele sabia que tinha ido longe demais. Abaixou cabeça como se estivesse envergonhado. Fui na caixa de sapato e retirei outro cinto Escoteiro que tinha de reserva. Não era tão bonito como Fuligem, mas ele precisava de uma lição. Quando coloquei o cinto ele gritou – Não, por favor! Perdoe-me, eu falei demais! – Desta vez nem liguei e fui para a sede escoteira. Fui triste mesmo sabendo que o Segunda Mão era um bom cinto. Calmo, educado e ponderado, pois tinha sido de um Escoteiro antigo que me presenteou. Acho que tinha mais de quarenta anos, falava pouco, não reclamava não chingava e nem me desafiava como Fuligem.

      Fuligem quando chegou da capital ficou todo prosa. Novo em folha, couro brilhante com flor de lis, metal com um brilho de dar inveja e Foi logo dizendo - É melhor saber antes que não gosto de Escoteiro babão! Ou você está bem uniformizado ou não está. Sou exigente, meião nos trinques, calça e camisa bem passada, o lenço bem dobrado e o anel até na gola. Chapéu meu amigo tem de estar com as abas largas. Se torto me esqueça! – No início não liguei para ele. São coisas de novatos ainda sem aquela fleuma de um bom mateiro. Eu já conhecia este tipo de prosa. Foi com meu chapéu, com meu lenço e meu bastão. Mas o tempo foi passando e fuligem aprontando. Era minha calça sem passar, meu lenço mal dobrado, meu chapéu torto, Fuligem não deixava nada passar. Nos acampamentos se chovia ele gritava – Corra seu idiota, se o couro molhar vai doer prá dedeu!

       Lembro de um fato interessante em Santa Mônica uma cidadezinha lá pelas bandas do Rio Tico-Tico. Nem lembro o que fui fazer lá. Armamos barraca em um campinho de futebol na entrada da cidade e fora alguns garotos olhando de longe não vi mais ninguém. O dia acabava e escurecia. Depois do jantar fomos dormir, pois no dia seguinte iriamos dar uma chegada em Campos Gerais. Dormi feito um anjo, mas ao acordar cadê meu cinto? Mãe de Deus levaram o fuligem. Não me dei por vencido, pois sabia que ele ia berrar feito um bode preso no toco da porteira. Não deu outra, com meu cavalo de aço (bicicleta) rodei a cidade rua por rua. Em uma delas ouvi a voz dele – Socorro! Vado sua besta, me tire daqui! A mãe do menino ficou envergonhada e pediu desculpas. Fuligem ria a mais não valer. “Num” falei que ele ia me encontrar, menino dos infernos! Saí dali correndo.

         O tempo passou, um dia tive de dizer a ele que precisa trocar o couro. Ele berrou, gritou e disse que preferia morrer. Manfredo um sapateiro disse que podia fazer um recauchutagem sem mudar seu estilo anterior. Deixei-o na sapataria e um dia depois Manfredo veio me procurar dizendo que eu levasse o cinto urgente. Ele não aguentava mais a faladeira dele. Nunca viu um cinto falante e igual aquele ele queria distancia. Fuligem envelheceu o couro. Pediu para aposentar, pois preferia morrer a trocar o couro. Foram mais de quarenta ano com Fuligem. Está comigo ainda, guardado no meu quarto e pendurado em um local gostoso, onde ele pode ver a janela e os passarinhos cantarem no Pé de Oliveira que tenho no meu quintal.


       Hoje já Velho eu lembro dos meus amigos. Amigos que foram meus companheiros de aventuras, meu bastão com ponteira, meu chapéu de três bicos, meu lenço verde e amarelo encantado, meu lampião vermelho e Fuligem. Deixo minha faca meu cantil e meu canivete suíço sem comentar. Eles não falavam muito, mas também foram companhias de aventuras que nunca mais os esquecerei. Pelo menos uma vez por semana abro minha caixa de guardados. Lá estão todos eles menos fuligem e o chapéu de três bicos que sempre estrão pendurados na parede. Nunca durmo sem rezar e eles sempre me acompanham. Sei que durmo pesado. Sei que eles conversam a noite toda. Sei que relembram o escotismo do Vado o Escoteiro que eles fizeram parte. Mas todos eles fizeram parte da minha vida. Se um dia me for já pedi a minha querida Celia que os guarde com ela. Não coloque no meu túmulo. Se eles estiverem de acordo que os doem para um Escoteiro jovem, que tem amor as suas tralhas escoteiras como eu tive e que os ame como eu os amei! 

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