Uma linda historia escoteira

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Era uma vez...

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Uma história de fogo de conselho.



As crônicas de um Chefe Escoteiro.
Uma história de fogo de conselho.

Eram três patrulhas com poucos jovens noviços e a maioria com adestramento acima da media. Isto não impedia que o espírito de equipe se mantivesse unido. Eu conhecia alguns dos seus membros e me tornei amigo deles pôr frequentar muito a sede do Grupo. Sempre comentavam as suas aventuras e desventuras. Todos me achavam um amigo  mais velho e pôr me sentir um deles estufava o peito de satisfação, mesmo sendo apenas um  Assistente de Tropa. Havia feito na semana anterior um Curso Técnico de Fogo de Conselho e apesar de ter participado em uma centena deles em acampamentos,  diversos temas novos foram transmitidos. Alguns ficaram gravados em minha mente.  Aproveitei a oportunidade para conversar com os jovens e sentir o que eles pensavam.

Um deles, corroborado pelos demais, me contou sua participação em um acampamento cujo Fogo de Conselho foi considerado um dos melhores, pois achavam que nunca mais seria esquecido. Não eram simples “pata tenras” já que nas patrulhas haviam diversos segundas classes, primeira e até três com Lis de ouro. A  atividade foi no mês de junho anterior e eu me lembrava bem do frio que houve naqueles dias. Conforme contavam, o acampamento foi cheio de surpresas. Aproveitaram um feriado com um fim de semana prolongado e ficaram quatro dias acampados. No segundo dia, uma forte chuva quase arrasou o acampamento, mas o pior foi à cheia do córrego próximo que inundou boa área do campo. Quando montaram o acampamento, levaram em consideração todas as possibilidades, inclusive de uma inundação. Mas a que aconteceu não poderia ser esperado. Uma tromba d’água deve ter caído alguns quilômetros acima  e o pequeno riacho subiu mais de 4 metros do seu nível. Ficou como lição para futuros acampamentos.

Mas na última noite não poderia faltar o Fogo do Conselho. Este era sagrado. Eles tinham participado de diversos tipos de Fogo e o da Tropa era considerado especial. O demonstrativo era cansativo e sem graça. Para eles um espetáculo batido visto em circo ou em TV, dirigido para principiantes e visitantes, mas nunca para os participantes. O Fraterno com outras sessões, até que servia para alguma diversão, ali o importante era participação. O da Tropa, este sim. Valia tudo. Somente a tropa podia estar presente. Dificilmente haviam convidados. Era da tropa e para tropa. Em casos extraordinários um ou dois eram admitidos, mas com a concordância dos Monitores. Sem programa detalhado, sem animador, sem aquela sequência de horário e apresentação. Era o que mais gostavam.

A tropa dominava completamente os acontecimentos que surgiam espontaneamente. E isto tinha um efeito e sabor especial principalmente quanto às dificuldades, às atividades aventureiras  vividas nos dias pré-fogo ou quando um fato novo com alguns deles ou com toda a tropa tivesse um fato marcante, era o inicio e certeza de um excelente Fogo de Conselho. Este é claro acreditavam seria o esperado. Tinham a certeza de que ia ser lembrado pôr muitos e muitos anos! No dia anterior, eles tinham feito tudo para uma limpeza geral, pois a enchente deixou sequelas em alguns campos de Patrulha e em outras praticamente arrasou tudo. Às patrulhas decidiram em Conselho de Tropa, fazer um mutirão, onde aquelas mais prejudicadas seriam ajudadas pelas outras. Precisavam de folhas de bananeiras ou algo similar para forrar o fundo das barracas.

Uma das patrulhas saiu à procura pelas redondezas, e procura daqui e dali, encontraram uma plantação de bananeiras, não muito grande. Claro que procuraram em volta se havia alguma moradia e só encontram uma velha casa abandonada. Pôr dentro não havia nada, mas o chão, as paredes e janelas estavam limpos. Pôr fora, não havia nada jogado pelos cantos e até a cisterna tinha águas cristalinas e asseadas. Pensaram que poderia ser uma morada de pessoas que vinham à noite, mas não havia utensílios e nenhum móvel. Ficaram intrigados. Decidiram cortar as folhas assim mesmo, pois às bananeiras não haviam sido podadas e com o corte não seriam prejudicadas. Quando cortavam sentiam que estavam sendo observados. Paravam,  procuravam e nada. Quando voltavam para o acampamento, novamente aquela sensação de estarem sendo seguidos, mas não viram ninguém.

Às brincadeiras entre si proliferaram naquele dia. Tanto a enchente, o trabalho e até mesmo a casa abandonada, agora chamada da Morada do Fantasma, era motivo de comentário pôr toda a tropa. O espírito do Fogo de Conselho havia sido criado. Isso era bom. Decidiram fazer o fogo no terreiro da Morada  do Fantasma. Ninguém foi contra. A chefia aceitava e acatava, pois nada dizia o contrário. Sempre foi feito assim e nada seria alterado. Após o jantar e um tempo livre, se preparam para o fogo. Os preparativos eram: Madeira, mantas, uma vasilha de alumínio com chocolate, (para esquentar na brasa) biscoitos um violão um pandeiro e muita criatividade. Mais nada.
Não havia um “Animador de Fogo”. Este iria surgir naturalmente no desenrolar da noite. Qualquer programa escrito estava fora de cogitação. Não iriam se prender a um roteiro, pois ali, naquela noite e em todas às outras a participação era completa. Sabiam o que queriam e iriam fazer conforme a Tradição de Tropa.

A Patrulha de serviço não perdeu tempo. Logo que chegaram ela preparou o fogo dentro dos padrões técnicos para evitar incêndios e tinha que ser ascendida com no máximo dois palitos de fósforos. Se não conseguissem, outra patrulha assumiria o que dificilmente acontecia. Se havia uma coisa que detestavam, era o tal Lampião do Conselho. Dava até vontade de rir do tal Lampião. Diziam que um bom mateiro ascende o fogo em qualquer tempo e em qualquer lugar. Eu acreditava, pois o adestramento da tropa sempre foi um dos melhores.  Enquanto isto os demais não se afastavam muito, pois a escuridão da noite e o lugar davam calafrios.

Todos foram chamados e se assentaram a bel prazer, enquanto um Escoteiro ascendia o fogo. Nesta hora, ficaram de pé, e como tradição antiga  invocaram os Espíritos dos Ventos e a viva voz, cantaram a Canção do Fogo de Conselho. Cantavam com gosto. Às chamas já se esticavam aos céus quando terminaram. Ouviram alguém bater palmas. Não eram eles. Se havia alguém escondido para amedrontar não seria com aquela Tropa. Um dos chefes deu uma busca em volta da casa e dentro dela. Nada. Continuaram. Logo uma Patrulha imitava outra quando da enchente. Surgiu palmas escoteiras inventadas na hora. Uma parada para conversa, um chocolate, uma mordida num biscoito. Conversas paralelas. Alguém alimenta o fogo, um dedilha o violão e outro começa a cantar. Alguns acompanham dois se encaminham para o centro da arena e começam a representar um Chefe e um Monitor. Risadas, palmas.

Pedem um jogo, um Monitor se oferece para fazer um  novo aprendido em outra atividade. Um grito. Não muito alto. A tropa se cala. É brincadeira de alguém. Eles aceitam a participação do “Fantasma”. Vai quebrar a cara pensam. Não foi a primeira vez. Ouve outras em outros acampamentos. Agora não seriam surpreendidos. Continuam às canções, improvisações, bate papos, jogos e até um pequeno Adestramento de primeiros socorros. Não faltou o Contador de Historias, e nessa o Assistente  se destacava.  Era assim o fogo da Tropa. Às brasas começaram a aparecer. A lenha foi terminando e todos demonstravam sono. Uma boca abre aqui, outra ali. A noite avançou sem ninguém perceber. Um Chefe convida a todos para encerrarem com a Cadeia da Fraternidade. Começam a cantar e param. Todos olham para dentro da casa e veem uma luz azul brilhante. Ficam estáticos. Alguns vão até lá e dentro da casa não há luz! - Já existem tremedeiras. Sem falar voltam para o acampamento. Ninguém quer ir à frente nem ficar atrás.

Dormiram encostados uns nos outros mesmo com a chefia alegrando e encorajando todos. No dia seguinte, após o desarme do campo, na cerimônia da Bandeira, um morador das proximidades estava presente assistindo de longe. Um Chefe o convidou para participar na ferradura. Ele veio sem jeito e ali permaneceu até o final. Uma rodinha se formou em redor dele, e ficaram sabendo a historia da “Morada do Fantasma”: - Foi construída pôr um jovem, - dizia -  filho de um “meeiro” (usa a terra de uma fazenda para plantar, e paga parte da colheita ao dono) quando se casou. Com menos de quatro meses, ele matou a mulher porque achou que esta o traia. Não era verdade. Foi preso e condenado há vários anos de prisão. Ninguém sabe onde está e quando vai sair da cadeia. O que todos sabem é que o espírito ou “fantasma” da mulher não abandonou a casa e até hoje e a mantém limpa e arrumada, mesmo sem móveis sem nada. Um padre já benzeu a casa, mas ela não sai de lá.


Fim do acampamento. Ninguém acreditava em fantasma nem naquela história absurda. Até hoje alguns ficam em dúvida do que poderia ter sido. Contaram-me com tanta veemência que não duvidei. Foram unanimes em dizer que foi o melhor Fogo de Conselho de suas vidas. Acreditei em parte. Um fogo destes não acontece sempre. Como eram escoteiros e não pescadores,  permaneci na dúvida. Serve como estórias dos Fogos de Conselho onde o calor humano é maior do que qualquer verdade!

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