Uma linda historia escoteira

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Era uma vez...

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Capotira o Selvagem da Cabeça Branca.


Lendas Escoteiras.
Capotira o Selvagem da Cabeça Branca.

                Quando jovem Escoteiro e sênior eu sabia que o melhor lugar para ouvir histórias impossíveis era em uma barbearia. Hoje elas desapareceram dando lugar aos salões de beleza. Muitas de minhas aventuras com a patrulha foram de histórias impossíveis que ouvimos lá. Claro que gostávamos de enfrentar a estrada, as matas, campinas e colinas, rios estreitos e largos, cachoeiras e corredeiras infernais e as mais altas montanhas. Participei de mil aventuras, mas desta eu não esqueço e nunca esquecerei. Cortava o cabelo com Seu Praxedes meu barbeiro e do meu pai por muitos anos. Em dado momento um bigodudo com cara de bandido esperando sua vez começou a contar que morava na Laguna Seca do Morto Vivo. Eu nunca tinha ouvido falar. Rindo e contou que bem longe da sua casa, ao norte, subindo o Rio Turvo havia uma imensa floresta. Inóspita. Disse ele que uma tarde um homem todo marcado e sangrando como se tivesse sido esfolado vivo chegou a sua porta pedindo socorro. Tratou dele como pode e no quinto dia partiu. Ao sair na porta disse para ele: - Não entrem nunca na Floresta do Diabo! Lá mora o índio mais cruel que conheci. O Selvagem da Cabeça Branca. Ele esfola e mata. Não disse mais nada e sumiu na plantação de figos que tinha acabado de plantar.

             Eu prestava uma atenção enorme a sua história. Quando ele ia embora eu disse – Moço, como faço para chegar a Floresta do Diabo? – Ele riu. Quer mesmo ir? Vá de Trem até Baixo Guandu. Suba o rio Turvo por quarenta quilômetros. Quando avistar uma garganta entre duas montanhas irá avistar uma imensa floresta que parece sumir no nevoeiro que todos os dias se formam. – Mas antes avise seus pais que você nunca mais vai voltar. Dizem às lendas que poucos voltam vivo para contar. Depois de dizer isto partiu dando gargalhadas até sumir na Rua Sumidouro de nossa cidade. Eu sabia que a história não terminaria aí. À noite contei para a Patrulha. Riram de mim, mas ficaram em dúvida. Pedregulho me olhou e perguntou: - Quarenta quilômetros? Precisamos de muitos dias para ir lá. E se o Rio tiver corredeiras? Tomate se interessou. Acho que vale a pena conhecer este Selvagem da Cabeça Branca. Eu sabia que a história fervia na mente de cada um. Catapora o Monitor sorriu e perguntou a todos? - Vale a pena esquecer nosso acampamento em Vale Feliz e ir para a Montanha do Diabo? Não deu outra. Um desafio destes nunca seria ignorado pelos Touros.

                  Preparamos tudo. Que se danassem os avisos dos amigos, pois na semana seguinte iriamos partir para a Floresta do Diabo. O Selvagem da Cabeça Branca ia conhecer os ferozes seniores da Patrulha Touro. Seu Capistrano Chefe da Estação sorria ao nos ver com todos os equipamentos. Ele já nos conhecia de longa data. Sabia que iriamos pedir passagens, pois nunca nos foi negado na Companhia Vale do Rio Doce. – Para onde vão desta vez? Baixo Guandu seu Capistrano. Vamos subir o Rio Turvo até a Floresta do Diabo. – O Rio eu conheço a floresta não ele disse. O trem parou na plataforma. Viagem de cinco horas todos cochilando. Era assim os seniores da Touro. Éramos seis, Pedregulho, Catapora, Linguiça, Pé de Pano, Banguelo e eu Nariz Longo. Baixo Guandu naquela época era uma pequena cidade de uns vinte mil habitantes. O pontilhão nos mostrava o Rio Turvo. Era meio dia quando iniciamos a subida do rio. Gostosa, sem muitos obstáculos. Pé de Pano era o mais alegre, cantava, ria, contava piadas. Às seis da tarde avistamos ao longe a Floresta. Melhor passar a noite ali e seguir no dia seguinte.

                Uma sopinha de macarrão que Banguelo era mestre e fomos dormir. Estávamos cansados e o dia seguinte prometia. Saímos pelas seis da manhã e às duas da tarde chegamos na Floresta do Diabo. Fechada, espessa, escura e uma bruma cinzenta que quase não nos deixava ver a frente. Uma subida íngreme. Começou a escurecer abrimos uma pequena clareira e montamos acampamento. Um arroz com linguiça um fogo para bater papo e cama. Banguelo rezou alto naquela noite. Não sabia por que, pois ele nunca fazia isto. Acordamos cedo. A mata parecia estar calada. Nenhum pássaro cantava. Sai da barraca espreguiçando e vi a minha frente um índio enorme. Mais de dois metros de altura. Forte com cabeleira totalmente branca. Pedregulho e Catapora também ao sair da barraca avistarem a figura. Ele nos fitava sem piscar. Devia ser o tal que diziam ser mortal. Minhas calças começaram a molhar.

              Todos saíram das barracas e cada um ficou mais próximo do outro. Todos pensavam a mesma coisa. Já sabiam do índio selvagem. Vai nos matar? Vai nos esfolar? Pé de Pano pegou seu bastão. Banguelo piscou para ele. Melhor não. Uma bastonada não vai resolver. O índio é forte demais. O índio fez um sinal como se quisesse que o seguíssemos. Nem as barracas desarmamos. Nossa tralha ficou lá. Seguimos atrás dele. Ele não olhava para trás. Sabia que não iriamos fugir naquela mata desconhecida. Nos levou por uma encosta onde a trilha era pequena, bastava pisar em falso para sumir em um penhasco enorme. Uma hora de jornada e chegamos numa ponte pênsil de cipó. Admirei a ponte. Se saísse vivo um dia iria fazer uma igual. Logo avistamos um platô enorme com muitas ocas. Uns vinte índios nos cercaram. Dezenas de índias e crianças índias riam a mais não poder. O gigante da cabeça branca nos fez um sinal para entrarmos em uma Oca enorme. Para dizer a verdade ali caberia toda a tribo dele. No meio da oca um pequeno fogo e sentimos um cheiro danado de ruim. Fedia mesmo. Só podia ser de algum bicho morto, mas não chegamos a ver.

                    O cabeça branca nos mandou sentar. Com uma voz simples sem afetação ele começou a falar. Não antes de algumas índias trazerem um pedaço de carne para cada um. Era ela! A fedorenta! Olhei para Catapora e ele para Pé de Pano. Eu sabia que devíamos comer. Se eles ofereceram não tinha saída. Não comer era desfeita. O Cabeça Branca começou a falar: - Não sei o que fazer com vocês. Visitas aqui não são bem vindas. Quem aparece ou matamos ou esfolamos para servir de exemplo aos outros que quiserem vir aqui. Há muitas luas seus irmãos brancos mataram quase todos da minha tribo. Eu era menino e consegui fugir com outros jovens que se esconderam. Morávamos próximo a Aimorés quase junto a Lagoa da Traíra. Meu pai o Cacique Cabelos Longos e minha Mãe Pontiak morreram a tiros. Iraci e Amanaki meus amigos fugiram comigo. Descobrimos esta floresta e nos escondemos aqui. Na Garganta do Cajuru temos um posto de observação. Sabíamos de vocês desde que dormiram no Rio Turvo. Iraci me deu oito filhos. Somos poucos, menos de cem. Aqui temos água, uma represa onde criamos peixes. Não temos riquezas. Plantamos mandioca e cana e abobora. Não precisamos de mais.

                Amanhã vamos decidir o que fazer com vocês. Foi embora e ficamos com mais cinco índios na oca. A noite chegou e custamos para dormir. Pela manhã uma indiazinha nos chamou. – O Cacique Capotira quer ver vocês. Surpresa. Em uma roda de índios entregou nossas mochilas e nossas barracas. Disse que podíamos ir embora. Não pediu mais nada nem mesmo para não contarmos sobre eles. Banguelo sempre surpreendendo apertou sua mão com a esquerda. Ele riu. Dois índios nos levou até a Garganta Cajuru. Mostrou-nos muitas piteiras secas. Com elas disseram que em menos de um dia chegaríamos à foz do rio Doce. Quando partimos senti uma tristeza enorme. Por eles. Juramos todos nunca contar a história para ninguém. À tardinha chegamos em Baixo Guandu e pegamos o trem noturno para nossa cidade. Foi uma das nossas maiores aventuras. Ninguém soube de nossa história. Ela só era comentada em Fogo de Conselho da patrulha ou em uma conversa pé do fogo.


                   O tempo passou e um dia encontrei com Pedregulho. Ele me disse que leu em um jornal que a história da Tribo dos Cabeças Brancas ficou conhecida de todos. Lá também estava escrito que o governo deu a eles boas terras do outro lado do rio próximo a Aimorés. Ele me disse que a tribo nunca mais foi importunada por brancos. Até hoje sinto saudades de Capotira, de Pontiac, de Iraci e daqueles selvagens que conhecemos. Espero que se ainda estiverem vivos que estejam felizes, pois lá em sua tribo sentiam-se libertos, e só o sol e a lua sabiam como a felicidade fazia parte de todos aqueles Cabeças Brancas. Quem sejam muito felizes. 

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