Uma linda historia escoteira

Uma linda historia escoteira
Era uma vez...

terça-feira, 29 de março de 2016

Meu melhor curso escoteiro foi com meus monitores. (Lembranças inesquecíveis).


Crônicas de um Chefe Escoteiro.
Meu melhor curso escoteiro foi com meus monitores.
(Lembranças inesquecíveis).

                  Ei Chefe, não é uma pegada de um Quati? – olhei com calma, nunca tinha visto uma, mas se o Escoteiro dissera eu acreditava. Paramos, analisamos o peso a altura, as passadas e assim fomos aprendendo a seguir pistas de animais. Eu e meus amigos monitores e Submonitores. Junto a eles eu estava na melhor escola escoteira que tinha conhecido. – Chefe? É um ninho do Inhambu? Dizem que ele não se preocupa muito e junta umas folhas próximo a uma árvore disse Niltinho um Monitor da Gavião. Nunca fui expert em ninhos só sabia que Gill um sub Monitor um dia me contou que o ninho do João de Barro dava uma mão de obra danada para o casal. Barro húmido, esterco e palha. Fazem centenas de viagens para terminar. Mais ou menos com 30 cm de diâmetro. O casal de João de Barro amassa as bolas de barro com os pés. Tem área para colocar os ovos, tem porta de entrada sempre em direção contrária a da chuva e de difícil acesso para predadores. Nunca usam a casinha mais de uma vez. Após o crescimento dos filhotes eles voam para outras plagas. Os monitores me olharam espantados. Ficamos ali naquela floresta conversando sobre pássaros por muito tempo.

                 Ei Chefe, sabe o Zózimo? Olhei para Bob Low um Monitor da Quati. O que tem ele Bob? Na eleição passada ele foi eleito Monitor e não queria – Por quê? Perguntei. Ele disse que ser Intendente/almoxarife era melhor. – Não acreditei e insisti – Como? Ele acha que o intendente é a alma de uma patrulha. Um bom acampamento depende dele, se faltar material ele é culpado. Se sumir ele é culpado. Se alguém precisa tem de falar com ele. E ele se preocupa muito com a guarda e a limpeza do material. Os escoteiros pata tenras são mestres. Vão cortar um bambu e o facão hó! E olhe Chefe ele me disse que na sua barraca de intendência tem de tudo. A alimentação fica fora das formigas e animais do campo. Lazinho o Cozinheiro o adora. Sabe que ele é chato, pois quer as panelas nos trinques. Nada de carvão! E eu sei que nem precisa falar com ele o que levar no acampamento. Ele sabe o que levar para um acampamento longo e um curto. Pois é Chefe, se não fosse ele nosso material já teria sumido e estragado.

                O que eu mais gostava deles era à noitinha em uma gostosa conversa ao pé do fogo. Cada um se abria, contava histórias, falava dos seus amigos, das namoradas com olhares piscantes, dos seus pais, da escola e dos seus sonhos. Chefe fiquei sabendo que o Lindolfo da Pantera jurou que ia ser médico. Disse Matusalém da Anta. Era o nosso enfermeiro e aproveitava também para ser o bombeiro e lenhador. Era outro que Lazinho o cozinheiro adorava. Nunca faltava lenha seca e agua à vontade. Seu lenheiro era perfeito. Podia chover canivete. Ele era um bamba e sabia escolher a melhor lenha, aquela que durava mais. Cozinheiro que se preza não fica sem um bom bombeiro e lenhador. Quem sopra muito é cozinheiro novato usando graveto fino e palha de capim seco. Observem que ele está sempre com os olhos cheios de lágrimas. Risos. Quer saber? Eu nem sabia disto. Eles é que me ensinavam. Uma patrulha que alguém preferia ser o intendente? - Foi Joel quem contou sobre Lazinho o cozinheiro. Ele Chefe é demais. Sabia surpreender a patrulha com suas iguarias. – Chefe ele encheu as “paciências” de sua mãe. Aprendeu tudo. Era um mestre cuca como ele gostava de ser chamado dos melhores. Chegou a fazer um forno de barro e fez um bolo fantástico!

                      Uma vez resolvemos fazer uma mesa com toldo e bancos reclináveis. Queríamos bater todos os recordes de tempo na construção. Claro eu sempre deixei que eles começassem que discutissem entre eles como iam fazer projetos e coisa e tal. E corta daqui, e corta dali o madeirame estava pronto. Ajudei pouco. Sabia bem as amarras. Sabia do acabamento, pois era uma exigência entre os Escoteiros. Ajudei somente na costura de arremate no tampo da mesa redonda. Nem peguei no cipó (adorávamos o cipó e nada do sisal) e um Monitor logo disse – Chefe, não é assim. O acabamento é de terceira qualidade. Faça no final do arremate um perfeito volta de fiel duplo. A tampa sempre vai ficar firme! Eu nos meus tantos anos sorria. Contradizer? Nunca. Eles eram meus mestres meus formadores.

                 - Chefe! Que tal fazermos um programa diferente nas férias de julho? Humm! A última surpresa deles nós caímos numa gelada. Um frio de rachar. Bob Low riu, pois nunca esqueceu o frio que passamos. Chefe está na hora de aprendermos a fazer fogo. Fogueirinha de fogão e Fogo do Conselho todo mundo sabe. Lembra-se do acampamento nas Montanhas geladas do Rio Pequeno? Morremos de frio porque éramos uns pata tenras. – Concordei com ele. – Pois é Chefe, poderíamos treinar muito como evitar isto, eu li muito sobre fogo Espelho. Garantem se bem feito no frio pode se dormir de short sem camisa! Sabendo a técnica e ter cuidado para medir a distancia e não colocar fogo na barraca! E eles riram a valer.

                 Eu posso dizer que meus melhores cursos foram com meus amigos monitores. Aprendi muito com eles. Trocamos tantas ideias e aprendemos tanto uns com os outros que fiquei perito em pioneirías. Amigos são assim. Sempre fazer e insistir a acertar quantas vezes for preciso. Lembro que um deles resolveu surpreender em um fogo de conselho. Uma bola de papel bem encharcada de querosene, um galho em forma de F encurvado e pequeno para correr preso em um cipó liso segurando a bola de fogo que na imaginação dele iria surpreender todo mundo. Ele todo posudo, em frente ao fogo, todos nós sentados em volta gritou: - “Que os ventos do norte! Que os ventos do sul” Quem os ventos do este e do oeste nos traga hoje o espirito da paz e que BP nos guie pelas sendas da vida e que Deus nos proteja! Ascenda-te fogo! E a bola de fogo que foi acesa por outro encarapitado em uma árvore desceu a toda velocidade até onde esta o fogo e logo as chamas subiram aos céus!


         Quem sabe se não fosse por eles eu não saberia do valor de uma patrulha, de um patrulheiro intendente, de um bombeiro lenhador, de um cozinheiro, do sanitarista, do aguadeiro, do construtor de pioneirias e de tantos outros. Foram eles que me ensinaram e com eles fazendo e ouvindo eu aprendi. Lembro-me de uma noite de fogo de conselho onde resolvemos trazer o espirito da floresta na forma da Lei Escoteira. Foi lindo. Fico pensando se todos são como eu. Aprender com eles, sentar a moda índia em um fogo estrela, comer uma batata quente, beber um café do bule quente na brasa, deixar que eles cantem que eles riem de suas piadas, que eles inventem aplausos, canções e que a noite para eles seja uma criança. Deixar que eles mesmos possam contar estrelas, descobrir novos caminhos e assim quem sabe, eu no alto da minha enorme idade e sabedoria irei aprender com eles na tenra idade de um escotismo que resolvi adotar. Aprender com monitores! Uma técnica que poucos até hoje conseguiram enxergar! 

domingo, 27 de março de 2016

A fantástica “Banda” do Maestro Munir.


Conversa ao pé do fogo.
A fantástica “Banda” do Maestro Munir.

               Quando Escoteiro eu tinha um sonho. Ou melhor, dois, acampar no Pico da Bandeira e participar da Banda do Munir. Com treze anos um caminhão da prefeitura nos levou até Caratinga. Lá pegamos a Maria Fumaça para Caparaó (Águas que rolam nas pedras). Minha alegria não tinha limites. Afinal estive no Pico da Bandeira. Uma linda história para contar, mas fica para outra vez. Agora precisava entrar na Banda. Osso duro. Munir era magro e alto. Usava o chapéu Escoteiro virado, mas muitas vezes preferia uma boina preta tipo Montgomery. Eu nem sabia quem era esse tal Montgomery. Usava o uniforme caqui curto e uma bota cano longo. Sujeito estranho o Munir. Chamá-lo de Munir era briga na certa. Senhor Maestro Munir! Ele encarava você nos olhos, uns dois minutos, você não sabia onde esconder.

             A Banda treinava todas as quintas feiras entre sete e dez da noite atrás do cemitério do Azarão. Um campinho de futebol, próximo à cidade, mas cujo barulho não incomodava os vizinhos. Só os coitados dos “defuntos”. A Banda não era grande, se não me falha a memória tinha quatro tambores, dois tambores-mor (daqueles enormes quase um metro de altura) cinco tarois, oito caixas claras, quatro bombos, seis cornetas e dois clarins. Clarins? O meu sonho. Um dia iria tocar um. Mas precisava ter curriculum na banda para pelo menos encostar um dedo nele. Munir era severo. Ria pouco. Um olhar dele gelava todo mundo. A Banda dos Escoteiros era famosa. Nas festividades todos aguardavam ansiosos a Banda. Passava em frente ao palanque das autoridades onde fazia evoluções e depois ia em algumas ruas para saudar os moradores que saiam para aplaudir a Banda dos Escoteiros.

            Munir tinha pose dos oficiais ingleses. Aquele estilo militar que só eles tem. Com sua varinha, seu chapéu virado, sua bota cano alto a marchar à frente da Banda fazia gestos como se estivesse regendo uma grande orquestra. Alí ele era o Rei. Era exigente o Munir. Marchar bem, com honra, respeito, garbo e boa ordem. Bastava um para destoar e ficar fora da banda por meses. Sua palavra era a lei. Ninguém desfazia. Eu ia sempre aos treinos da Banda. Ficava ali abobalhado olhando cada um com seu instrumento. Sempre trinta minutos de ordem unida. Munir não gritava. Seus gestos eram graciosos. Sabia com perfeição fazer os sinais manuais de formaturas. Apito? Detestava. Na frente da banda um sinal seu e ela parava de tocar. Outro alguém gritava: Em frente marche! Todos juntos. Se alguém errasse valha-me Deus! Eu olhava tudo, caixas, tarol, tambores, bombos, cornetas, mas meu xodó era o clarim. Jasiel e Marquinhos eram os donos dos dois. Sentiam-se importantes demais para olhar para mim. Eram seniores corneteiros. Uma dádiva de poucos.  

          Só faltava ao treino da Banda quando ia acampar. Este era sagrado. Uma excursão, bivaque, acampamento sempre estiveram em primeiro lugar. Um dia achei em um pé de Manga, um galho que se cortado iria ficar igual a um clarim. Preparei meu instrumento medieval com carinho. Ficava em casa horas com ele na mão. Levava a boca, fingia que tocava, balizava e sorria. Sonhava em tocar a Alvorada, o Silêncio, o reunir, debandar e tantos outros toques. Decorei todos. A Patrulha me absorvia. Eu amava minha patrulha Lobo. Entre ela e a Banda só tinha uma escolha. A patrulha. Um dia tomei coragem. Cheguei em frente do Munir. Conferi meu uniforme, tinha que estar no ponto como se fosse uma inspeção. Munir era exigente. Posição de Sentido, meia saudação – Sempre Alerta Senhor Maestro Munir, gostaria de participar da Banda! – Tinha treinado em casa em frente ao espelho como falar com ele. Se errasse ele nem na minha cara ia olhar mais.

          Tomei um susto. Ele olhou para mim. Nem piscou. Cara fechada. Ficou também em posição de sentido. Bateu um calcanhar sobre o outro. Plok! Sinal Escoteiro estilo militar. - Quinta! As sete em ponto! Se chegar atrasado não venha nunca mais! – Sai gritando de alegria. Contava para todo mundo. A Patrulha me parabenizou. E agora como você vai fazer? – Fácil disse. Os treinos são as quintas e dificilmente saímos em atividade neste dia. Nos desfiles vão todos. Portanto dá para conciliar. – Não dá não disse o Romildo Monitor. Quinta agora não vamos acampar em Bom Jesus? É feriado lá e aqui. Minha nossa! Eu pensei e agora. – Bom Jesus ficava a vinte e cinco quilômetros de distancia. Sabia que íamos de bicicleta. Não podia perder meu primeiro dia na Banda e nem no acampamento. Tinha uma menina em Bom Jesus que me olhava e ria. Quem sabe estava ficando apaixonado?

           Dito e feito. Na quinta às quatro da tarde voltei sozinho a minha cidade no meu cavalo de aço. Correndo como um louco estrada a fora. Cheguei no campinho as sete em ponto. Suando, cansado, mas com um sorriso no rosto. Posição de sentido e lá estava eu me apresentando ao senhor Maestro Munir. No primeiro dia só treino de ordem unida. Ele só me deu um tambor pequeno oito treinos depois. Terminando voltei correndo para Bom Jesus. Só três anos após comecei na corneta e o clarim. A embocadura demorei seis meses para adquirir. Meu sonho na Banda aconteceu. Toquei clarim por muito tempo. Quando servi o exército era com muito orgulho o corneteiro do dia. Nunca faltei a um treino, desfile e nem tampouco nas minhas atividades ao ar livre. Encontrei Munir muitos anos depois em Colatina. Ele bem velho. Eu com meus trinta e cinco anos. Olhou-me com aquela cara feia, ficou em pé, em posição de sentido. “Ploc” ouvi seu calçado bater. Sempre Alerta! Ele disse. Eu fiz o mesmo. Maestro Munir! Que prazer! Já com aquela idade ainda tinha medo do Senhor Maestro Munir. Ele riu. Nunca o tinha visto dar um sorriso. Abraçou-me. – Sabe Osvaldo, eu sempre gostei de você. Nunca o esqueci. Aquele abraço foi demais. Uma alegria pois nunca o vi dar um abraço em ninguém. 


             Os tempos são outros. As bandas não são como antigamente. Não existem mais os Maestros como o Munir. Sei de muitos grupos escoteiros que venderam ou doaram sua banda. Imposição dos dirigentes? Que pena. Dá para conciliar. Da para treinar sem incomodar. Até hoje olho com saudades os desfiles. Quando vejo uma banda fico “arretado” e “arrepiado”, adoro isto. Na minha juventude a Banda símbolo era a dos Fuzileiros Navais. Tive o prazer de vê-la tocar muitas vezes. Mas os tempos foram passando, as bandas ficaram no esquecimento. As histórias de uma banda nos Grupos Escoteiros hoje quase não são contadas. Se eu pudesse, se meu corpo ajudasse eu teria um grupo. Um Grupo Escoteiro fantástico. Meninos vibrantes. Acampamentos mil. E mais o que? Claro, uma banda. Ia com certeza achar um Maestro Munir por aí. Que vida louca seria. Mas sonhos são sonhos. Com a minha idade não dá mais para que meus sonhos se tornem novamente realidade.