Uma linda historia escoteira

Uma linda historia escoteira
Era uma vez...

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Uma simples amarra quadrada, nada mais...


Contos de um Velho Chefe Escoteiro.
Uma simples amarra quadrada, nada mais...

            Perguntei a Dorval porque ele tinha entrado para o escotismo. Costumo perguntar aos chefes ou mesmo escoteiros mais entusiasmados. Dorval tinha dezessete anos e começou com doze na tropa escoteira. Sempre entusiasta mesmo nas horas mais difíceis. Ele me olhou e sorriu. – Porque Chefe? Olhe eu teria muito que responder, mas quer saber mesmo? Foi uma amarra. Uma amarra quadrada e um volta de fiel! – Não entendi Dorval, o que havia de tão maravilhoso em uma amarra para te prender nas teias do escotismo para sempre?

            - Chefe, eu entrei aqui sem saber o que era escotismo, via a turma correndo brincando de pega-pega, vi muitas vezes passarem na minha rua de mochila nas costas, alguns com cantil e outros com um cabo pendurado na cintura. Isto não me chamou a atenção, mas lembra de Pedregulho? – Ele era Monitor da Touro. Quando passou eu estava no portão e ele sorriu para mim. Era um convite e no sábado seguinte fui até a sede. Quando ele me viu, me levou até o Chefe que me mandou esperar. Fiquei em um canto da sede esperando. A reunião terminou e o Chefe foi embora sem falar nada comigo.

              Pedregulho me procurou no dia seguinte. Pediu desculpas e disse que eu voltasse lá novamente. – Olhe Dorval, somos escoteiros pelo que fazemos e amamos e não pelo Chefe. Se não fosse por ele não voltaria. Depois de muito tempo o Chefe só me disse: - Traga sua mãe e seu pai. Sem eles você não pode ser escoteiro! Mas era assim mesmo? Pedregulho conversou com o Chefe. Mamãe fez por escrito dizendo que autorizava. O Chefe fechou a cara e me mandou para a Patrulha Touro de Pedregulho. Era como se eu tivesse um protetor e só por ele fui admitido. Não me entusiasmei. Na quarta reunião pensei em não voltar mais.

              Quando comentei com Pedregulho ele me bateu de leve no ombro e disse que pelo menos eu fosse ao acampamento de verão. Seria dali a duas semanas. Acampamento? Pensei. Deve ser bom. Porque não? Preparei-me com o que tinha. Uma mochila velha emprestada do Seu Tomé meu vizinho, mamãe costurou dois sacos de estopa vazios que seria meu colchão conforme me explicou Pedregulho. Não tinha cantil e me senti nu sem ele, mas fui. Eu não estava gostando daquilo. Cansado, em fila indiana em uma trilha cheia de capim colonião me cortava todo.

               Chegamos um corre-corre e eu sem saber o que fazer. Pedregulho me chamou. Venha cá. Vais fazer uma mesa de campo. Eu? Você mesmo. Ela será sua primeira lição. Aprender a fazer fazendo. Pense em uma mesa, pense em serrar bambus e vá construindo na sua imaginação. É como você estivesse construindo sua nova vida, seu caminho a seguir e vá saltando os obstáculos que encontrar pela frente. Quando ela estiver pronta você passou por tudo e conseguiu chegar onde pretendia chegar. Mas como vou construir? Pedregulho me deu um pedaço de sisal. Deu-me dois pedaços de bambu. Vamos começar? Não eu, você.

                 Junte os dois paus. Faça em um deles um nó Volta de Fiel. Simples, o duplo só quando for madeira mais grossa. Eu não sabia o que era um Volta de Fiel. Ele explicou. Veja é um coelho entrando em sua toca, ela tem outra saída, e assim ele foi me explicando. Agora com ele pronto acoche. Acochar como? Aperte, sabe o truque para vencer na vida sem machucar a mão? Alguns usam luvas, mas pegue este pedacinho de pau e enrosque o sisal nele. Assim fica fácil para acochar. Agora é com você. Ele saiu e foi atender o cozinheiro que o chamava. Olhei para meu nó o primeiro que fiz. E como era a tal amarra quadrada?

                   Levantei-me para perguntar a Pedregulho. Ele estava ocupado. Ele não me desafiou? Ele iria me carregar por toda vida? Olhei Nonato dando uma quadrada na mesa do fogão. Não era difícil. Montei minha mesa de campo na minha mente. Ela teria que ter o tamanho para caber todos da Patrulha. Fui sozinho no bambuzal. Levei dois bambus. Não deu para nada. Voltei lá mais quatro vezes. O dia passou. Fizemos um jogo, todos foram para o banho da tarde e eu fiquei.  Minha primeira amarra quadrada ficou frouxa, fiz e refiz. Até que acochei com gosto.

                   O jantar ficou pronto. Eu terminava a mesa ainda sem bancos. Todos vieram me cumprimentar. Minha amarra quadrada me marcou para sempre na minha memória. Orgulhei-me dela e do volta do fiel. Fiquei esperando o próximo acampamento, o próximo e até hoje estou fazendo minha amarra quadrada com meu volta do fiel nas minhas pioneiras. Ele sorriu para mim. Satisfeito Chefe? Olhei para Dorval sorrindo. Posso lhe dar um aperto de mão? Apertamos ali na sombra da Copaíba. Ela foi plantada quando o grupo iniciou suas atividades pela primeira vez.


                  Eu já tive muitas respostas na vida quando perguntei a alguém por que entrou para os escoteiros. De Dorval com seu volta de fiel e sua amarra quadrada foi única. São coisas que acontecem na vida de cada um que se prendem a nossa filosofia. O Escotismo tem disso. Quando menos esperamos o mosquito invisível morde e o veneno da boa aventurança escoteira permanece preso nas veias para sempre!

Nota de rodapé: -  Algumas poucas respostas. Aqueles mais abnegados que me seguem gostando do que eu faço e escrevo. Minha crônica sobre diminuir meus continhos e minhas reclamações despertou naqueles que me querem bem uma resposta para continuar. São poucos, muito poucos. Mas importa a qualidade ou a quantidade? Melhor é contar pormenores de um escotismo que conheci. Já pensou uma amarra e um nó ser motivo para ser escoteiro? Que o espírito de BP more sempre em seu coração!

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